31 de dezembro de 2007
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17 de novembro de 2007
III Encontro de Professores de Literaturas Africanas - Pensando África: Crítica, Ensino e Pesquisa
Embora seja um heterônimo do grande poeta moçambicano Virgílio de Lemos, é importante ressaltar a originalidade e independência poética de Duarte Galvão, poeta de genialidade singular. Digo isso por recusar a idéia da heteronímia como uma máscara do poeta ortônimo. Na literatura e na arte enquanto realizações máximas do humano do homem não há máscaras, mas sim a manifestação do real em realidades diversas, originais e originárias.
Eis a localização exata: MESA 35
LOCAL: sala H 311
Fábio Santana Pessanha (UFRJ) - Geogonia de Duarte Galvão
Maiores informações e programação completa no site: http://www.letras.ufrj.br/pensandoafrica
Abaixo segue o resumo do meu ensaio:
Geogonia de Duarte Galvão
Moçambique é terra no sentido mais radical de originariedade, ou seja, daquilo que constantemente inaugura um novo pensar. É mãe com a qual, num incesto sacro, o poeta Duarte Galvão se confunde ao travar verbo-orgias gestantes de poesia.
Neste sentido, temos como objetivo neste texto a percepção de uma relação ambígua em que o erótico é tanto a aproximação do poeta com sua terra quanto o próprio mover-se dele na mesma. Então, mais do que um espaço geograficizado, teremos Moçambique como país único, oriundo de uma poética telúrica em que o poeta e sua mãe-terra se darão mutuamente.
Portanto, a questão aqui instalada é o sentido de geogonia. Assim sendo, é a partir da terra (Moçambique) que Duarte Galvão acontece poeticamente na medida em que a mesma se retrai enquanto silêncio proveniente.
8 de outubro de 2007
O amor em questão: diálogo com Heráclito, Platão e Heidegger
Eis o texto:
O AMOR ORIGINÁRIO: RE-UNIÃO NO LOGOS
Fábio Santana Pessanha
Bacharelando Português-Literaturas / UFRJ
Apelar para o “isto” na questão “que é isto – o amor?” é se dizer sem ortodoxia, sem resposta certa, sem certeza. Noutras palavras, é tentar penetrar a discórdia na harmonia do que é certo, estático, estagnado. A harmonia é a disponibilidade de um ser para com o outro. Portanto, é amor. Sendo assim, qualquer possibilidade de estagnação é desfeita quando a harmonia entre dois seres se dá no movimento constante do “entre” para o qual o “isto” aponta. Harmonia não é sinônimo de passividade, mas sim, o vigor da correspondência ao apelo da linguagem. O que é isto – o amor? Aqui não se responde o amor, questiona-o na dimensão do “isto”, ou seja, o “isto” é o amor sendo questionado e neste “sendo”, o amor carrega toda a dinâmica de um acontecimento. Neste sentido, é algo que não se extingue, mas que se perpetua em todo percurso do amar. Então, o “isto” é o amor além de uma caracterização que sempre parte de uma fonte externa no discurso corrente.
O “isto” que, para nossa ocidentalidade contemporânea, gramaticalmente é um pronome demonstrativo, revela aquilo que se quer evidenciar, ou como redunda a definição, o que se quer demonstrar. Logo, figura-se um gesto de desvelamento ao se apontar para aquilo que se queira visto. Numa outra acepção, o “isto” é um caminho, é a vereda na qual erramos na medida em que desde já estando dentro, ratificamos o adentrar num percurso de pro-cura do que nos é próprio. Por este viés, o suposto pronome demonstrativo “isto” larga sua indumentária conceitual que o fixa apenas em demonstrar algo e passa a tangenciar a possibilidade da posse, não como aquisição, mas referente ao que desde sempre possuímos. Então, revela-se a proximidade entre aquilo que aponta e aquilo que já se tem. Assim sendo, já se ter não é uma acomodação material que objetifica sua posse, mas é uma possibilidade, um caminho onde o que é próprio só se torna propriedade na medida em que se consuma um caminhar. Logo, é um próprio que se apropria quando nos lançamos à pro-cura do que é nosso, mas que tal propriedade só se dá enquanto movimento. Posto que o apropriar-se é um gesto contínuo. Daí que a aproximação entre demonstração e posse se dá na tensão, na identidade da diferença de cada um. Pois, o “isto” ao demonstrar nos rouba da inércia e nos lança no agir da pro-cura.
Pensando o “isto” enquanto amor no fragmento 123 de Heráclito de Éfeso, ou seja, em “Physis kryptesthai philein”, ao questionarmos “o que é isto – o amor?”, lançamo-nos na questão derradeira de nosso existir. Somos entes recolhidos no ser do homem enquanto buscamos nossa humanidade. Como vivos mortais encerrados num organismo corporificado, atentamo-nos à escuta do amor enquanto proveniência. Posto que somos seres liminares e amamos descalços do jugo cristão do amar. Não amamos porque obedecemos a uma ordem ou porque assim foi escrito. Não. Amamos porque nos movemos desde sempre no amor, na medida em que este nos antecede e nos abraça ao iniciarmos nosso ciclo de existência terrena. Assim, “philein” reúne o que somos e não somos na harmonia da correspondência ao Logos, no íntimo do paradoxo enquanto ensinamento recíproco desfabulado de antíteses e na originariedade advinda dos seres vigentes no e oriundos do amor. Pois quem ama se encobre enquanto amante à espera do ressurgimento do outro. Temos então que o amor não seja só a originariedade de todo existir como seja também a densidade do entre-dois-seres. Este “entre” nos revela a reciprocidade, isto é, a condição de dois seres se amarem na conservação das diferenças de cada um. Já que cada ser é único e, portanto, estabelece de forma completamente inaugural seu diálogo com a linguagem. Cada diálogo é uma possibilidade de fala, logo, de correspondência enquanto ente ao ser que o recolhe. Tal correspondência é, portanto, a dis-posição à voz do ser em cada ente, uma vez que a voz do ser instaura a abertura determinante da reciprocidade do ente ao ser.
Na tradução de Emmanuel Carneiro Leão para o citado fragmento 123 de Heráclito, temos: “Surgimento já tende ao encobrimento” (HERÁCLITO, 1980: 137). Neste caso, podemos entender o amor, “philein”, como “encobrimento”. Isto é, como retraimento para algo que logo surgirá. Então, o que provocará a manifestação de tal surgimento? Como poderemos percorrer este caminho que nos parece proposto por uma tensão entre encobrimento e descobrimento?
Quanto ao surgimento do que antes se velara, o importante não é saber a causa, e sim experienciar a dinâmica de tal tensão, posto que seja primordial ao acontecimento do amor. Neste sentido, apenas saber a causa significa tomar uma posição de afastamento da questão quando, em vez de questionar em seu ínterim, estaremos vigendo nas relações comuns da dialética, ou seja, partindo de um determinado conceito para desaguar no desenvolvimento de outro que teria por fim explicar o início. Fugiremos, portanto, deste jogo que nada tem a nos oferecer além do exercício da retórica. Assim, não nos é possível determinar o fator responsável por aquilo que surgirá. O que devemos fazer é nos deixarmos possuir pela questão.
Considerando a tradução do professor Carneiro Leão, “surgimento” e “encobrimento” são o mesmo em desdobramentos diferentes, posto que toda tentativa de surgimento já é um esforço ao encobrimento. O que nos permite este pensamento é o verbo “tender”, já que este indica um movimento inconcluso, que ainda está por alcançar uma determinada meta. Por isso, um esforço, um movimento que está em andamento, que tensiona um percurso. Tanto o surgir como o encobrir vigoram no tempo (“já”), quando se descarta a via cronológica de acepção temporal. Daí que o princípio do surgimento já está completamente tomado pelo esforço do encobrimento, posto que surgir é uma tendência do encobrir.
Logo acima, foi mencionado que “philein” enquanto amor é encobrimento. Então, num diálogo com o pensamento grego e com a tradução do fragmento 123 de Heráclito feita pelo professor Carneiro Leão, é possível entender este encobrimento como o recolhimento de todo ente no ser, haja vista a dinâmica do entre-surgir-encobrir em íntima ligação com um acontecimento que nos é radicalmente humano: nascimento já tende à morte. Somos seres-para-a-morte na vigência do amor como a unicidade para a qual somos convocados. Exatamente isto: somos con-vocados. Recebemos o chamado para estarmos juntos em correspondência ao Logos, por isso amar é também uma escuta em que, mais uma vez, devemos deixar de lado a coerência da lógica metafísica ao nos livrarmos da adequação auditiva restrita pelo sistema físico de nosso corpo humano. Então, devemos ficar atentos à diferença que pode parecer muito sutil, mas se torna gritante à medida que no aproximamos, ou seja, devemos nos atentar à diferença entre “corpo humano” e “corpo-humano”.
Em “corpo humano” temos duas palavras de classes distintas em que uma se subjuga a outra, ou seja, temos um substantivo (“corpo”) que vigora como núcleo à espera de qualquer determinação ou caracterização promovida, por exemplo, por um adjetivo (“humano”). Este é o sistema gramatical comum no cotidiano da racionalidade binária em que observamos sua funcionalidade atrelada aos pares opositivos e aos sistemas comparativos de adequação, isto é, cria-se um modelo, um paradigma responsável pela nomenclatura de uma sentença. Assim, quando uma dada seqüência vocabular se enquadra em tal modelo, esta passa a vestir a indumentária terminológica de tal paradigma eleito. Logo, é um sistema que reduz o pensamento ao raciocínio da acomodação conceitual.
Em “corpo-humano” não temos mais duas palavras antitéticas ou duas classes gramaticais que se relacionam subordinativamente. Temos a expressão da ambigüidade na medida em que “corpo” e “humano” se fundem enquanto eclosão significativa livre da pré-formatação paradigmática. Assim sendo, “corpo” se lança para além do caminho unidirecional do substantivo enquanto conceito gramatical e vai dialogar com a originariedade do pensamento grego: corpo é “hypokeimenon”, é aquilo em torno do qual se reúnem as características de uma coisa, sem recair num somatório de feições. Logo, é a essência, o fundamento como fonte sobre o qual se pensará o que origina em articulação com o que é originado. Entretanto, ao passar pela tradução latina, tornou-se aquilo que entendemos hoje como sujeito, como aquele que age (Cf. HEIDEGGER, 2006: 11-12). Da mesma forma, “humano” é o que é na tensão com “corpo”. É a ruptura da hierarquização do antagonismo dialético, pois tanto funda quanto é fundado pelo corpo. “Corpo-humano” é a desmedida do contorno ideal de uma definição, uma vez que se embriaga do pensamento poético na habitância do “entre”, posto que, separadamente, não é nem corpo e nem humano, mas o são na concrescência da inaugurabilidade poética.
Enquanto corpo-humano que sempre pro-curamos ser, amamos. Entretanto, o que é isto – o amor? Como questão primordial, aponta para a proveniência do que somos quando nos permite extrapolar o fio-condutor de todo perguntar. Daí que devemos sempre perguntar pelo “isto”, portanto, dialogar com o pensamento grego. Ou seja, como Heidegger nos clarifica, ir além da satisfação responsiva de uma dúvida que pergunta apenas o que seja alguma coisa, posto que “A resposta consiste em darmos o nome a uma coisa que não conhecemos exatamente” (HEIDEGGER, 1989: 15). Neste sentido, perguntar “o que é isto - ...?” é uma aproximação do “tí estin” grego. Sendo o amor o “isto” para o qual caminhamos, não procuramos apenas um amor romântico que satisfaça nossos desejos espirituais ou físicos conforme a separação metafísica que nos é tão comum, mas o amor que nunca se dirá por completo já que é infinito e doador de nossa origem: Logos.
Em se tratando do amor no vigor dialético, Platão nos presenteia com “Fedro”. Eis um diálogo em que o amor se entrega ao “páthos” como divisor de águas, ou seja, este é negado num determinado momento e logo depois é louvado, pondo a loucura como dádiva dos deuses olímpicos. Todavia, como podemos observar, há dois caminhos que se opõem: um negativo e outro positivo. Então, de posse dessa leitura, não seria propenso ao esvaziamento o entendimento meramente dialético de tal obra? Queremos dizer com isso que devemos ter muito cuidado para não cairmos nas malhas do corriqueiro “Platão acadêmico”, inventor dos mundos ideal e inteligível. Daquele que opõe poetas e filósofos num discurso simplório, alvo de filosofices. Portanto, devemos retomar a questão: o que é isto – o amor? O que é o “isto” enquanto amor?
O “isto” enquanto amor nos parece uma permanência, já que no fluir do amor, o “isto” é toda possibilidade de pensá-lo para além de uma estagnação metafísica. Neste pensar, entregamo-nos por completo. Experienciamos e sentimos o amor na radicalidade do seu não-ser, ou seja, a dinâmica de sua tensão é a vigência do amar. Não amamos só quando queremos alguém, até porque este querer é uma apropriação do outro, anulando-o como ser. Por isso, damos voz às palavras do professor Manuel Antônio de Castro (Titular de Poética da UFRJ) proferidas em uma de suas aulas: “Todo amar é uma renúncia. Esta renúncia é deixar o outro ser e não tê-lo”. Assim, dialogamos com Platão quando, em “Fedro”, percebemos o “entre” do amor. Em outras palavras, em tal obra nos é oferecida uma dentre várias vias de leitura, ou seja, o amor num arrebatamento do “páthos”. Neste sentido percebemos o vigor do entre-amar quando se dá enquanto desmedida de um querer (paixão erótica) e se retrai enquanto silêncio do ente em dis-posição à voz do ser: “a loucura inspirada pelos deuses” (PLATÃO, 1986: 53). Esta loucura é o entusiasmo, sendo que este não ocorre só mediante o pensamento grego ou na fluência do mesmo enquanto filosofia. Entusiasmamo-nos em nossa abertura ao apelo da linguagem, ao sermos poetas enquanto nos entregamos a um questionamento, quando deixamos o outro ser o que é numa relação amorosa – uma vez que este amor é amplo e nos abarca na divergência do existir. Então, ao considerarmos o entusiasmo em sua origem etimológica, entendemos se tratar de uma possessão divina (“enthousiasmós: o ser inspirado por deus”), possessão esta para a qual devemos estar sempre abertos em vez de nos obliterarmos em vazias subjetividades. De outra maneira, o “isto” do amor conduz na liberdade do aberto a coletividade harmônica da correspondência entre seres. Deparamo-nos com um caminho não redutivo às verbosidades de cunho sentimental em que o amor é a resposta a um querer que convoca o outro à liturgia das emoções, ou seja, o amor se dá como um fechamento à escuta na surdez de uma necessidade orgânica. Nesta perspectiva, amar é sufocar o outro com a rotina da satisfação física.
Como dissemos acima, o diálogo com “Fedro” nos leva ao “entre” do amor. Então, em vez de aceitarmos comodamente um amor opositivo na densidade do “páthos”, encaminhamo-nos à leitura subtrativa do rotineiro. Isto é, mais do que aceitar uma modalidade patológica – insensatez racional “versus” delírio divino – o “isto” do amor nos chama a trilhar a complexidade do que é e não é do amor, portanto, do “entre”. Só este percurso nos direciona para a plenitude do amor, não que exista apenas uma via de acesso ao mesmo. O que queremos enfatizar é que só singrando no com-plexo do amar é que experienciamos a radicalidade daquilo que nos possui, uma vez que com-plexo nos remete à palavra latina “plex” (dobra), indicando-nos as dobras, as flexões ou os desdobramentos do amar (Cf. JARDIM, 2005: 82). Ao percebermos o com-plexo, abrimo-nos aos desdobramentos do amor enquanto ação e retraimento da luminosidade amorosa.
Se pensarmos em desdobramentos, inevitavelmente traremos à discussão a questão do principiar, posto que para que algo se desdobre, antes e em todo seu percurso, é principiado. Daí que o principiar não é aquilo que se apaga no intervalo entre o começo e o fim, e sim a proveniência originária do próprio caminho enquanto pro-cura. A culminância do princípio é o “telos”, o que não significa ter a busca chegado ao fim, pois o “telos” só se dá como objetivo na convergência do princípio. Isto é, a única coisa que resta ao fim é começar novamente e este recomeço é o contínuo percurso do princípio. Então, o começo é o que se apaga no caminho enquanto o princípio é a clarificação deste caminho na pro-cura do “telos”. Poderíamos, neste caso, pensar que nosso telos é o amor?
Quando o amor nos apraz e nos direciona à plenitude da felicidade, sentimo-nos completos, satisfazemo-nos na humanidade a que pertencemos por estarmos sendo o que somos. Com isso, entendemos essa felicidade além de uma satisfação subjetiva em que o corpo em êxtase seria o apogeu do sentir. Para sermos o que somos, devemos nos colocar abertos ao recolhimento no ser e atentos à voz da linguagem, na medida em que ao procedermos desta forma nos apropriamos do nosso destino enquanto pro-cura do ser que somos.
Deixar o destino nos percorrer não significa entrarmos em letargia, mas agirmos em abraçá-lo à medida que por ele formos abraçados. É também uma escolha, isto é, não tem a ver com o sentido de espera passiva dos acontecimentos ou com a vontade de cada um, mas com o caminhar na trilha que se abrilhanta a nossa frente e se obscurece na proporção de nossos passos, portanto, tem a ver com o habitar do entre-escolher-e-ser-escolhido. O destino tanto mais se manifesta quanto mais se retrai enquanto nos entregamos na ambigüidade do viver. E mais, este viver é a dinâmica da vida se doando poeticamente a nós: entes recolhidos no ser, posto que o sentido poético da vida está na inaugurabilidade que vigora em todo crepúsculo. A cada noite que se espraia guardiã dos mistérios intimidados pelo dia e a cada dia que consome a soturna presença das sombras, revela-se a novidade do originário, a potência essencial de tudo aquilo que não se calcula, haja vista o desvínculo da atitude racional. Desta maneira, aqui retomamos “physis kryptesthai philein”.
Physis é a densidade máxima da vida em cada momento de nossa existência, uma vez que “Existir vem do latim ex-sisto que diz elevar-se para fora de, elevar-se acima de” (JARDIM, 2005: 56). Deste modo, é-nos evidenciado o sentido de mudança contínua, posto que estamos vivos e nos damos poeticamente. Logo, amamos.
Kryptesthai é a permanência daquilo que se move, daquilo que muda. No entanto, como relacionar mudança com permanência, já que nos parece uma relação um tanto paradoxal numa primeira leitura?
Uma coisa muda, porém continua sendo a mesma num desdobramento que não cala o princípio. Por exemplo, o homem enquanto ente nomeado e identificado como tal não deixa de sê-lo ao envelhecer. Eis aí o velar-se. Kryptesthai é o retraimento da vida no caminho de sua iluminação, já que potencializa tudo aquilo que virá a ser. Então, só permanecendo enquanto silêncio é que poderá se dar como revelação da vida.
Articulando o que fora agora dito tanto sobre physis quanto sobre kryptesthai, ou seja, sobre a mudança contínua e a permanência daquilo que muda, desaguamos em philein, no amor. O amor é o sentido mais radical da ambigüidade entre mudança e permanência, uma vez que revela nossa condição de pro-cura do apropriar-se do que somos enquanto buscamos nossa humanidade. Philein é o amor que reúne as diferenças, que nos excede na tensão entre surgimento e encobrimento enquanto vida e morte. Portanto, pensar o amor enquanto “isto” na dimensão do diálogo com o fragmento 123 de Heráclito; com “Fedro”, de Platão ou com Heidegger no ensaio “Que é isto – a filosofia?” é uma possibilidade de pensamento sobre aquilo que não se esgota ao nos realizarmos humanamente: o amor.
Referências bibliográficas
HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a Filosofia? Tradução de Ernildo Stein. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1989.
________. A origem da obra de arte. Tradução de Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Mimeo. 2006.
HERÁCLITO. Fragmentos – Origem do Pensamento. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
JARDIM, Antônio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7 letras, 2005.
PLATÃO. Fedro. Tradução de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães Editores, 1986.
6 de outubro de 2007
Aviso: é prejudicial ao relacionamento questionar o cotidiano
Você já viu alguém passar pela água de um copo? É incrível! O alguém se torna outro, desincorpora-se. Não é exatamente um espelho... tudo bem, pode ser um tipo de espelho, mas são apenas tipos... o que importa é saber o que é isto, o espelho. Mas não é essa a questão que me assalta agora, ou melhor, é. Também o é. Não só. Uma imagem que desdiz, passa ao contrário, controverte toda ordem estabelecida pela razão. Não quero saber de leis físicas, pois o que são leis físicas se não meras abstrações. E não adianta me dizer que seja uma apreensão do nominável, do fundamento de todas as coisas, porque, afinal, onde estão todas as coisas?...
... infelizmente, com o acontecimento poético da rede, tive de interromper a reflexão sobre o copo d’água... continuarei pensando apesar de tudo...
31 de agosto de 2007
...nascimento morto ou morte nascida...
A primeira coisa que fazemos ao nascer é morrer. Por isso choramos, por isso o bebê explode em vida a morte que já vivencia em toda sua grandiosidade.
O homem fenece sem se dar conta... tolo... inútil de sua presteza, arregala a visão do escuro vazio em que submerge. Um vazio sem nada, não serve nem ao principiar de todo fim. Ao contrário da consciente ignorância, o nada é a proveniência de todas as coisas.
No curta-metragem A História da Eternidade (clique no link e assista ao curta!!!), temos de cara a ambigüidade: um nascimento já morto ou uma morte já nascida... tanto faz... vida e morte são um só na vigência do que somos enquanto unidade cosmogônica... somos parte do tudo que, claro, é o nada. Por isso, somos inegavelmente a contra-ditadura da oposição binária. A dicotomia se desfaz a cada momento do encontro particular com nosso interior... um salto cego na fulgência do inóspito em que habitamos. Somos a própria habitação do que queremos ser e não-ser. Somos a totalidade do não-sendo.
19 de agosto de 2007
Pequeno pensamento sobre arte
Poeticamente, o homem habita o seu estar-no-mundo. Portanto, a poesia não é um gênero, um estilo ou qualquer tipo de determinação metafísica de produção humana; não serve a uma finalidade. O poético é um dar-se completo do homem à pro-cura de sua humanização, de seu originário. A arte é o sagrado silêncio, o abismo do qual surge o paradoxo e este é o sentido mais radical de estar vivo. Humanamente, poetificamos o a-se-pensar de um lugar que está sempre por existir, mas nunca existirá numa limitação mensurada pela razão.
O silêncio tudo nos diz... a arte nos consagra poetas. E poeta é todo aquele que atravessa a limitação do subjetivismo e habita a ambigüidade da vida-entre-morte.
8 de agosto de 2007
Interpretação do poema “Vereis que o poema cresce independente”, de Jorge de Lima
Vereis que o poema cresce independente
E tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas,
Algas e peixes lívidos sem dentes,
Veleiros mortos, coisas imprecisas,
Coisas neutras de aspecto suficiente
A evocar afogados, Lúcias, Isas,
Celidônias... Parai sombras e gentes!
Que este poema é poema sem balizas.
Mas que venham de vós perplexidades
Entre as noites e os dias, entre as vagas
E as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...
Qualquer poema é talvez essas metades:
Essas indecisões das coisas vagas
Que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.
(Jorge de Lima. Livro de sonetos, 1949)
Interpretação:
Podemos observar que este poema se faz presente mediante dois movimentos que prescindem de limitação, posto que suas fronteiras se dissolvem, impossibilitando-nos de apontar categoricamente onde termina um para se iniciar outro. Entretanto, como horizonte desta interpretação, adotaremos um marco que delimitará nosso percurso sem, contudo, fazer-se absoluto.
Da primeira estrofe até a metade da segunda, o primeiro movimento nos é revelado como uma “conversa” com os leitores, na medida em que se diz: Vereis que o poema cresce (...). O segundo movimento se inicia quando vemos um verbo imperativo na metade da segunda estrofe: Parai sombras (...). A partir de então, estes dois movimentos se mesclarão numa atmosfera de imprecisão percebida tanto pela alteração do modo verbal quanto pelo ritmo semântico que os versos expressarão.
Percorrendo o primeiro movimento do poema, em seu verso inicial observamos dois verbos primordiais para o desenvolvimento da obra em questão: ver (Vereis – v.1) e crescer (cresce – v.1). O “ver” projeta no “crescer” a dimensão do porvir, indicando uma subordinação ao futuro. Tal articulação é possibilitada pela conjunção integrante que (v.1) onde, como o nome já diz, traz à união aquilo que, a princípio, não compartilha de uma unidade, mas que passa a integrar, neste sentido, um acontecimento à presentificação e ao mostrar-se.
O poema, como aquele que cresce imerso no tempo de experienciação, dimensionaliza-se em dois adjetivos que, no contexto do poema, mostram-se adverbializados: independente (v.1) e tirânico (v.2). Tendo em vista essa possibilidade dual, porém não dicotômica que se espraia por todo o poema, o mesmo se desenvolve ambiguamente ao congregar uma liberdade que se radicaliza no desprendimento de um agente, de um sujeito que o faça trilhar um percurso obediente. Assim, a independência e a tirania comunicam a imprecisão de uma certeza pela qual já se saberia um destino certo.
Considerando que crescer é se apropriar da verdade enquanto ação de desvelar o que se ocultara, o poema se move entre imprecisões. Esta idéia é o centro do mesmo, quando a imprecisão indica o posicionamento num entre-lugar, no cerne de um andamento que não deixa o poema se estagnar como objeto, como resultado de uma fórmula versificante; posto que a imprecisão é a negação de uma medida ao entendermos “precisar” como acertar, ajustar. Logo, esta obra poética é um soneto, sim, mas que consegue insuflar um dizer misterioso, marcado por coisas imprecisas (v.4) em sua peculiar e tradicional estrutura.
Ainda no primeiro movimento, é interessante notar a relação entre o substantivo coisas (v.4; v.5) e seus adjetivos imprecisas (v.4) e neutras (v.5). Tanto o nome quanto suas atribuições apontam para o incerto, para um caminhar tenso. Na fala corrente, “coisa” é tudo aquilo que não recebe especificação e, no poema, as especificações ligadas a tal substantivo indicam o mesmo norte de imprecisão, já que a neutralidade seria a imprecisão de uma posição, ou seja, é aquilo que habita o abismo entre uma negação e uma afirmação. É desse abismo que surge a força do evocar, uma vez que tal verbo significa chamar à presença. Desse modo, o que se presentificaria?
Possivelmente, tudo que permanece velado no passado enquanto memória: Ó irmãos, banhistas, brisas (v.2). Eis a mobilidade da vida enquanto ação e retração do experienciar. Tudo que é vivido habita a claridade para, quase no mesmo instante, ganhar as sombras do passado enquanto guardião do porvir.
Da oposição entre a neutralidade e a suficiência, a memória manifesta o presente ao trazer à tona os acontecimentos vigentes como realidade. Isto é, afogados (v.6), sombras e gentes (v.7) nos falam de um desocultamento promovido pela memória em que tal ação chega ao seu auge quando, já no segundo movimento do poema, temos o verso Que este poema é poema sem balizas. Se num momento anterior, a mudança do modo verbal para o imperativo já delineava uma mudança no percurso poético (Parai sombras e gentes! - v.7), a dita “conclusão” do verso 8 nos lança inegavelmente na vigência da ambigüidade, na medida em que não ter balizas é a assunção de uma queda abismal na ilimitabilidade do pensar.
A partir do nono verso (Mas que venham de vós perplexidades), qualquer tentativa de impedimento do fruir poético é desfeita. As “porteiras” da ambigüidade foram escancaradas e todo movimento se volta para o entre. O entre, então, dá-se como o originário da perplexidade, quando esta nos diz o espanto, o admirar-se poético. Um dado que nos permite concordar com o vigor do entre neste poema é que, além de figurar direta (Entre as noites e os dias – v.10) ou indiretamente (... essas metades – v.12) no mesmo, sua disponibilidade tanto reveladora quanto misteriosa se presentifica reticentemente: entre... (v.11). As reticências são o encobrimento de qualquer certeza que possa se infiltrar neste poema. Elas nos deixam livres ao pensamento, a um mergulho cego na razão quando esta se desconfigura na interpretação.
Na última estrofe, temos quase uma conclusão na medida em que metalingüisticamente o poema seria definido: Qualquer poema é talvez essas metades: (v.12). Contudo, esta possível definição perde sua força já desde o início do 12º verso com a palavra Qualquer. Esta retira a exclusividade do poema e universaliza sua unicidade, lançando-o na tensão de um entre-lugar (...metades – v.12). Este percurso conclama a ambigüidade poética e a projeta na dimensão do corpo: Que isso tudo lhe nutre sangue e ventre (v.14). Assim, (...) tudo (...) retoma a memória e congrega as incertezas de um caminhar racional. Dialoga com o ciclo vital de um ente que se individualiza na propriedade do seu sangue a partir do nascimento físico (...ventre – v.14).
Portanto, o verso final retoma o inicial numa circularidade evidente, posto que ventre se ressignificará poeticamente. Será tanto a origem do corpo que vive na densidade da realidade quanto a pro-cura do poema pelo originário na vigência do real.
3 de agosto de 2007
Comunicação na UERJ/FFP
Minha comunicação está agendada para o dia 07 (terça-feira), por volta das 14h. Estão todos convidados a participarem do evento e, quem sabe, irem me assistir!
Para saber a programação completa, é só visitar o seguinte endereço: http://insolito-ficcional.blogspot.com/
Quando sair a publicação, deixarei o link do texto completo aqui no blog. Por enquanto, deixo o resumo:
O INSÓLITO NA DIMENSÃO DO POÉTICO: O MOVIMENTO DE UM QUESTIONAR
Partindo do Insólito enquanto questão, o mesmo será pensado mediante três perspectivas: além da concepção de gênero literário; no viés da narrativa como doação do poético e, por último, retomando o gênero no contexto de um movimento questionador. Assim, não será feito um estudo meramente “sobre” o Insólito, posto que falar “sobre” é se colocar numa posição de afastamento, como expectador da reificação do literário.
Numa breve tentativa de re-pensar o Insólito enquanto gênero da literatura, caminharemos por algumas vias da teoria tradicional, a saber: a narrativa e o Fantástico, segundo estudos feitos por Tzvetan Todorov. Entretanto, em vez de reafirmar tais teorizações, encaminhar-nos-emos pelo poético como proveniência de um percurso questionador.
Por fim, só na dimensão do poético seremos capazes de realmente perceber a narrativa fantástica ou o Insólito propriamente dito não como meras adjetivações alocadas no que comumente se entende por gênero literário, mas como o modo que o homem se relaciona com o real.
23 de julho de 2007
Depravações verborrágicas
Do inverso poema
Às custas da esquina
Da porta de saída
Anteparo do nada
Vozes surdas
À espreita de um deslize
Escuta
Depravações verborrágicas
17 de julho de 2007
O palco em três diálogos: a terra, o habitar e o sagrado
É o nº 13, vol II. Confiram!!!
O Resumo:
O PALCO EM TRÊS DIÁLOGOS: A TERRA, O HABITAR E O SAGRADO
Num percurso que se desvia do senso comum ao pensar o teatro como função catártica, o palco emerge da tradicional fundamentação teórica e se mostra vivo em três diálogos primordiais: o palco como terra, como habitar e como sagrado.
Como terra, o palco se diz no crescer do homem; como habitar, o homem constrói ao se pôr em correspondência com a linguagem; como sagrado, é a reunião entre corpo, terra e mundo.
25 de junho de 2007
Interpretação do poema “Eternidade”, de Jorge de Lima
Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.
Como foi isso?
Tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.
Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
Morrendo
Numa estrela.
Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara
Agora vê.
1º movimento: v.1-10
2º movimento: v.11-15
3º movimento: v.16-22
Sobre o título:
A eternidade é o tempo em pleno vigor sem estar atrelado a qualquer limitação. Tanto não há um ponto de partida quanto não há um de chegada, ou seja, é a plenitude mais radical do que se espraia no vazio quando o presente congrega tanto o passado quanto o futuro num mesmo ponto.
A eternidade, no caso do título deste poema, remete-nos à inclusão inevitável da vida na morte, uma vez que uma não se dissocia da outra. Estão e são juntas no seio do tempo como veremos no andamento da interpretação.
Movimentos do poema
Ao iniciarmos a leitura, já nos deparamos com um termo que pode ser problemático quando radicado na necessidade de se lhe adequar forma, função e finalidade: o “Ele”.
Quem é “Ele”? Quem é que se reviu? É o sujeito? Eu-lírico?
A priori, o termo escolhido para melhor definir este “Ele” é o eu lírico, segundo a corrente leitura poética academicamente firmada. Entretanto, este eu-lírico se põe na mesma posição de qualquer outra definição, isto é, seja a de autor, de poeta, ou mesmo do eu-lírico, todos esbarram num problema: o estabelecimento de uma certeza, de um saber que perpassará a leitura como meta a ser alcançada por uma definição do que ou de quem seja este “Ele”.
O “sucesso” de uma interpretação por nós alcançado seria o da proximidade, pois só o poeta sabe quem é este “Ele”. Podemos entender esta proximidade como o não-esvaziamento do poema em verborragias contextualizadas, isto é, o poema como obra de arte única, nunca se revelará por completo ao leitor. Haverá sempre um diálogo ungido pelo encobrir e descobrir do poema enquanto vida acontecendo. Simplificando, a leitura de um poema será sempre uma relação tensa em que, na interpretação, o vigor do entre (inter-) se manifestará como o não-dito que se diz enquanto silêncio e se cala enquanto fala.
Como caminho ou método de leitura aqui proposta, o “Ele” não terá definição ou conceito. Será a abertura que se plenifica na eternidade, pois dizer quem é este “Ele” seria partir de uma limitação que circunscreve o poema nos limites de teorias acadêmicas, uma vez que tudo aquilo que se diria análise seriam reafirmações catedráticas de repetições ecoantes nos corredores da tradição.
O poema não pergunta quem se reviu. Propõe um caminhar único que se singulariza no diálogo com o leitor quando a interpretação é o caminho pelo qual tanto o leitor quanto o poema se farão únicos na procura pela verdade. Posto que esta é aquilo que se revela (alétheia) na imersão da leitura.
Portanto, “Ele” é o próprio vigor da eternidade desatrelado da adequação de uma definição calcada em teorizações que encerram o poético em correntes literárias em vez de deixar a poesia acontecer.
Seguindo na leitura do primeiro movimento do poema, há a percepção da perda da materialidade como nos diz a primeira estrofe, ou seja, ao se rever, ocorre o espanto: momento em que há uma ruptura na linearidade imposta pelas sensações físico-corporais seguido do lançamento no aprofundamento do vazio originante. Todo este acontecimento nos é transmitido pelo uso de uma figura simples que passa corriqueiramente despercebida: os “dois pontos” (“:” v.1; v.7; v.11). Estes “dois pontos” suspendem o caminho habitual e inauguram uma nova percepção: o fim da linearidade convergente no corpo físico. Desta forma, o corpo não era mais fisicalidade, pois não existia como tal (matéria orgânica). E esta afirmativa é vista sob uma tripla ratificação, permitida pela conjunção com valor negativo: “nem”. Neste sentido, tal palavra nega a existência material e metafísica de um corpo normalmente afirmado tátil e visualmente, portanto, um “objeto” que produz sombra e culmina nas ruínas de tal existir (escombros, v.5). Assim, a morte é tratada como imersão na imensidão do vazio quando a palavra “irreal” se apresenta como além do que, segundo o senso comum e a corrente acepção semântica, é real também nos ditames comuns do cotidiano: o que é sólido (idéia comum do que seja concreto) e se presentifica materialmente.
A pergunta na segunda estrofe demonstra o espanto: Como foi isso? (v.6). A resposta vem com uma imagem que nos lança à perplexidade do acontecimento poético: um barco que bóia sem estar no mar. Assim sendo, imerso no nada, integrado à eternidade.
O corpo que antes se limitava à circunscrição presencial, agora habita a tensão entre morte e vida numa dinâmica infinda de não-dissociação.
No segundo movimento, o afastamento evidenciado na primeira estrofe, propiciado entre um sujeito que observa e um objeto que é observado (Ele reviu-se v.1) se esvai na medida em que um e outro são o mesmo. Há um sentido agora, quando sentido é tanto o caminho pelo qual se segue quanto a apropriação legítima do que é próprio de quem sente. Então, quebrada a dicotomia sujeito X objeto, há uma aproximação, um sentir; e, neste sentir, o ciclo recomeça.
Interessante notar na estrutura do poema que o verbo “recomeçar” (recomeçava v.12) dá conta de todo o resto da estrofe por trazer a circularidade em emergência. Os “dois pontos” ocupam o abismo que se estabelece entre o sentir e o recomeçar, dando ao leitor a sensação de breve sustentação que tende à queda como um objeto qualquer quando é lançado ao alto e segue seu percurso até que, num determinado momento, a velocidade cessa. Tal corpo pára no ar e logo começa a cair. Este momento em que o objeto pára nos diz o silêncio primordial de todas as coisas, a eternidade, daí que “Ele”, após se sentir, silencia-se, espanta-se, admira-se para que só assim possa recomeçar: viver em toda plenitude da morte.
Uma outra informação é que o verbo “viver” está no pretérito mais-que-perfeito, ou seja, está lançado no tempo e apontando um passado revisitado que se relaciona com o verbo “morrer” na forma gerundiva. Portanto, ressaltando o aspecto de continuidade, de permanência. Tal diálogo entre formas e estruturas verbais nos indica que a morte não só permeia como integra a anterioridade da vida.
Vivera / Morrendo / Numa estrela (v. 13-15) nos diz a intimidade entre vida e morte culminada no entre-alvorecer-anoitecer quando, assim como a estrela tanto se oculta quanto surge no céu do nosso olhar humano, a vida se oculta na morte e dela se manifesta. Este movimento pode ser até percebido formalmente pelo uso de letras maiúsculas no início de cada verso dos último três que compõem a terceira estrofe. Então, o viver e o morrer referenciados à (...) estrela (v.15) que se vela e se desvela indicam o recomeçar que habita a liminaridade de um existir. Ou seja, a eternidade se doando num período efêmero de existência do “Ele” enquanto carnalmente vivo.
A estrela, poeticamente, é o que surge no céu, perfurando a escuridão da noite. Esta escuridão é o não-saber, é o véu que cobre a verdade em sua mais profunda ligação com o real.
Ao surgir no céu, a estrela guia aquele que está perdido no silêncio imagético. Ela aponta, mas não dá o caminho, pois o caminhar é uma experiência única e individual desgarrada de rotas pré-determinadas.
Retomando o que já fora mencionado no segundo movimento do poema, o sentir é o ponto mais radical da tensão entre vida e morte. Logo, Ele sentiu-se (v.11) e se admirou (referência aos “dois pontos”), ouviu o silêncio e, da eternidade, recomeçou.
O terceiro movimento quebra o andamento do poema (visto apenas sob uma perspectiva estrutural) ao inserir uma pergunta que toma o lugar dos dois pontos, numa dimensão que se fixa na forma do poema. Prevalece uma sensação de maior certeza em que o espanto é consumado quando a resposta compreende o preenchimento de um perguntar.
Despido de uma vida metafísica, ou seja, de tudo que compusera sua existência entitária, portanto, do mundo no qual habitara, “Ele”, já sem ouvir e sem falar, encontrou-se quando, ao se cegar, voltou a enxergar. Noutras palavras, o tudo (v.18) é a razão que certificava uma vida sem morte, limitada pela possessividade caracterizante de seu singular contexto existente como parte social. ...tudo / que amara (v.18-19) são as lembranças que, embora passadas, insistiam em permanecerem presentes.
Olhos emudecidos, a razão tem seu fim quando a adequação entre uma verdade conceitual e sua afirmação se extingue. Então, a dor oriunda pela incerteza de um nome atribuído a uma coisa qualquer se finda quando tal necessidade é desfeita. Por isso, quando a cegueira obscurece a razão, “Ele” passa a ver. Contudo não é um ver orgânico, é uma escuta na medida em que escutar não é medir o som com os ouvidos, mas se abrir à experienciação da procura pelo que lhe é próprio.
Só estando cego da razão, isto é, livre da prisão metafísica do enquadramento terminológico (o senso comum prevalecendo para fins comunicacionais) é que a eternidade se plenifica e a morte deixa de significar o fim.
Ver é se lançar no infinito e integrar o Logos enquanto eternidade, enquanto um sem-fim de “lonjura” não distanciada. Daí que Agora vê (v.22) nos diz a libertação do cárcere orgânico do corpo quando a visão está limitada a funções regadas a sangue e atrelada ao arranjo do conjunto nevrálgico do sentido físico da visão. Ver não é medir com olhos, mas estar na luz em tensão com a escuridão. Assim sendo, descarnado de ...tudo / que amara (v.18-19) quando este “tudo” reflete o acúmulo diário de vivências alocadas na reificação das lembranças, na adequação das reminiscências aos fatos “embrulhados para presente”.
Tudo que “Ele” amou e ficou no passado é um entendimento da memória como retentora de imagens vividas e não como a verdade desvelada a partir do esquecimento, ou melhor, daquilo que se dá como realidade a partir do real. Memória como lembranças é o que antecede os “dois pontos” no corpo do poema, isto é, aquilo que está preso à materialidade.
Enfim, no último movimento, somem os dois pontos e entra o questionamento do que se perdeu (...despiu-se - v.16). É quando a memória deixa sua superficialidade conceitual e passa a revelar toda a dinâmica do tempo não-cronológico que se move na eternidade, numa imbricação não-hierarquizante (tempo/eternidade) que possibilita o ver-se como tempo infindo.
14 de junho de 2007
Mensagem ao nada (a gentileza do amor universal)
Anáforas gritantes pululam o céu sob o escorbuto sorridente do poeta. Por vasos pantanosos o sangue florifica horrores odoríficos de um jardim desplantado.
A terra tanto retrai quanto atrai o vagabundo mórfico de gramáticas espaciais críveis por quem habita o fora-além-escuro.
Imagens não permitidas rodeiam meu corpo em cirandas malditas de crianças decapitadas. O que será isto? A morte? Aí só a brancura explica acidamente o infortúnio da inspiração desabitada.
Por entre notas e violinos, a curva arrefece a dúvida e o frio passa a aquecer qualquer agasalho retículo-furuncular. O mesmo se repete incansavelmente em descaminhos poético-astronáuticos.
"O padre tá esmolando, o pastor tá pastando e o papa? O que que tá fazendo? Tá papando!"
E não-fim...
9 de junho de 2007
O que o isto não é?
Muito fácil é perguntar pelo que é isto: o que é isto? Quando isto nos diz alguma coisa de conceitual-aprisionado-no-quem-sabe-responde. Um afirmação total de toda reafirmação desejosa de ser desejada reafirmar o sol que se põe no oeste. Mas e se o sol não nascer? Então, onde acordará o dia?
O que não é o isto? O que não é toda resposta desperdiçada nas certezas efêmeras de um perguntar ingênuo? Qual a razão do dizer limitado entre dois fins? O que é o começo? O que não é o fim? O que o isto não é? O que é isto, o não-isto?
CLIQUE AQUI E ASSISTA AO CURTA
15 de maio de 2007
O avesso de uma coisa
Inventa-se a invenção, a ludibriosa falácia bêbada da filosofia erudito-cotidiana. O aqui, sendo agora, numa sub-invenção do que já existe no não-existir de uma memória coletiva tão individual quanto ímpar. E a coisa, perdida em coisidades várias, procura seu outro lado do um.
É lá, achado na perdição das poeiras habitantes do entre-tapete-chão que a coisa se torna objeto de desejo. Des-explico: se desejo algo, este algo é aquilo que ainda não tenho. O desejo torna possível um querer se realizar em poder. Mas não em referência à frase clichê querer é poder e sim em relação ao não querer relacionar. Suprir uma suposta ausência passou a se adequar às necessidades de qualquer desejo: a metafísica funcionando como garoto-de-recados-pós-moderno no qual um vazio clama pelo seu rápido enchimento. Um transbordar obsceno de idéias estupradas pela razão. Isso é o preenchimento do vazio, do pensamento e do questionar por ditames conceituais vigentes nos manuais filhinhos-de-papai.
Qual é o contrário de um cachorro, de uma mesa ou, como diz o professor Antônio Jardim, de uma uva? Esse contrário é a doença ocidental que deixa nossas cabeças formatadas ou anuladas já prestes às ejaculações enunciativas de definição do que se queira alvamente conceituado. Entretanto, a idéia não deixa de ser um excelente exercício ao absurdo, quando tal absurdo é o próprio pensamento largando mão da razão e sendo livre à imersão do seu pensar. Qual o contrário de um cachorro? Respondo: um gato, um prego, o espaço entre um rosto e um punho no momento de um soco!
10 de maio de 2007
Interdisciplinaridade Poética: corpo - mundo - terra
Entre conferencistas, comunicadores e artistas da dança, música e poesia, o pensamento se firmará na densidade da palavra em seu maior vigor poético: a união entre corpo, terra e mundo em diálogo com a arte.
Algumas das questões que impulsionam as discussões são: o que a arte é? Sistema? Organismo? Objeto? Corpo? Mundo? Terra?
Para quem se interessar, as informações mais completas sobre o evento estão no site www.letras.ufrj.br/poeticadaterra
Todos estão convidados a participar. Então, para quem estiver pelo Rio ou quiser fazer uma verdadeira viagem poética, passe pela Faculdade de Letras e salte na inquietude do pensamento em acontecimento.
Deixo aqui a proposta do evento (retirada do site acima):
III ENCONTRO NACIONAL DE POESIA E PENSAMENTO: 14 a 17 de MAIO
- INTERDISCIPLINARIDADE POÉTICA -
CORPO, MUNDO E TERRA EM QUESTÃO:
1ª. Discussão do lugar da interdisciplinaridade poética;
2ª. Reflexão sobre uma universidade futura, projetada e organizada a partir da interdisciplinaridade;
Justificações
1ª. Numa interpretação epistemológica da realidade, não se dá o devido lugar à presença e força das artes, porque estas são lidas apenas no âmbito dos saberes, das disciplinas. Tudo isso é muito importante e necessário. Mas resta a questão: as artes podem ser reduzidas a disciplinas entre outras disciplinas ou seu caráter ambíguo não exige também uma reflexão sobre a força do “entre” em que se move todo conhecimento. Que “entre” é esse? Por que sempre se pensam as “disciplinas” e nunca se pensa o “inter” das disciplinas? Como pensar as artes senão dentro e a partir das próprias artes?
Estas questões podem e devem ser discutidas. Como preparação prévia já foram publicados dois números da revista Tempo Brasileiro: INTERDISCIPLINARIDADE: DIMENSÕES POÉTICAS, No. 164 e INTERDISCIPLINARIADE EM QUESTÃO, No. 165. Os dois números serão lançados durante evento.
A nova realidade apresenta desafios novos. A POÉTICA INTERDISCIPLINAR quer trazer a sua reflexão e suas propostas de renovação e realização de uma humanidade mais humana. Diante de diversas teorias esgotadas, achamos que propor uma nova é totalmente fora de propósito. Por onde começar? Pelos COMEÇOS, pelas origens. E o que sempre é ORIGINÁRIO? Cremos que as questões permanentes em que nos debatemos e envolvemos são: CORPO, MUNDO e TERRA. Mas como questões e não como conceitos. Elas exigem sempre um SABER RENOVADO. Nesse sentido organizamos o seguinte evento:
III ENCONTRO NACIONAL DE POESIA E PENSAMENTO: 14 a 17 de MAIO
- INTERDISCIPLINARIDADE POÉTICA -
CORPO, MUNDO E TERRA EM QUESTÃO:
Na arte: Prof. Iaa Torrano
Na poesia: Prof. Gilvan Fogel
Na poética-ecologia: Prof. Manuel Antônio de Castro
Na música: Prof. Antônio Jardim
Na dança: Profa. Maria Ignês Calfa
Na literatura: Prof. Ronaldes de Melo e Souza
Na filosofia: Prof. Emmanuel Carneiro Leão
No pensamento: Prof. Ronaldo Lima Lins
Na sociedade: Prof. André Bueno
Na história: Prof. Luis Montez
No mito: Prof. Werner Aguiar
Na língua: Prof. Marco Lucchesi
LOCAL: FACULDADE DE LETRAS - UFRJ
2ª. Uma nova universidade está se desenhando no horizonte das profundas transformações por que passa a humanidade, frente a uma globalização em muitos sentidos, sobretudo a dos conhecimentos através das infovias. Tudo isto vem transformar o tripé em que se baseou todo conhecimento ao longo da história: produção, acumulação e transmissão. Está na hora de pensarmos uma nova universidade no horizonte destas profundas transformações. Não só pensar, mas projetar e realizar as devidas modificações.
Doze universidades federais (inclusive a UFRJ) já pensam em mudar o sistema de ingresso dos alunos novos na universidade e em implantar os BACHARELADOS INTERDISCIPLINARES. O que isso implica para o futuro das artes e a formação do ser humano de um modo integral? Será APENAS mais um modelo de preparação funcional para uma sociedade técnica e globalizada, sem levar em conta a formação integral do ser humano? Nós, das áreas (disciplinas) humanas, estamos preparados para ter voz e lugar nessa nova universidade? Haveria um modelo único? Não está em jogo a própria concepção do ser humano e de sua vida em sociedade? De maneira alguma, porque inútil, se trata de cair numa oposição, mas fundamentalmente de buscar o equilíbrio. A reflexão sobre a interdisciplinaridade poética não poderia propor algumas alternativas e direções? Aqui estaríamos fazendo a ponte e ligação com as discussões do primeiro tópico.
Para nos falar desta NOVA UNIVERSIDADE convidamos o Reitor da UFRJ, prof. Aloísio Teixeira.
Organização e promoção:
Núcleo interdisciplinar de estudos de Poética – NIEP – Área de Poética
Programa de pós-graduação de Ciência da Literatura
Direção da Faculdade de Letras
4 de abril de 2007
Nada além do repetido...
Tautologia
Silenciando o sol,
ao meio-dia
o furor.
Em formas que fundem
livros desmentidos...
o pleonasmo da boca saltou.
Fábio Santana
26 de março de 2007
Homem: diálogo e poesia
Dizer que um poema é, significa relegá-lo ao plano do ente, pois todo ente é à medida que realiza uma realidade do real. Desta maneira, o ente aponta para as realizações do real e o real aponta para o Ser. Ser não como um verbo de ligação, mas como a abertura às questões, como horizonte inalcançável, posto que seja o caminho do originário, o vigor da tensão ser-não-sendo. Então, um poema é a própria vida em andamento, é o agir do homem no vigor de sua liminaridade, é poiesis! À poesia não cabem definições, aparatos técnicos ou avaliações que ocupam a superficialidade das adjetivações. A poesia é o próprio acontecimento do homem como mundo, como vida.
Criar um poema não é se isolar do convívio social e dar vazão a codificações tangentes ao sentimentalismo simplório, muito pelo contrário: é estar efetivamente em contato com a terra, com o próximo, com a vida, com o mundo. Pois poetar é operar, pôr-se em contato com o infinito e dialogar; é adentrar a tensão da interpretação quando esta é o caminho para o original, à proporção em que se dá como originária.
Quanto à linguagem, vivemos nela e para ela. A impossibilidade de um afastamento se configura pelo simples saber de que ela nos antecede e dela somos realizados. Mais uma vez, diferente do que vemos por aí, a linguagem não suporta ocupar as limitações dos conceitos. Isto é, não é em aulas de Lingüística que aprendemos sobre a linguagem. Até porque aí já se mostra uma série de equívocos primordiais, mas que me limito a alguns poucos neste momento: primeiro, não aprendemos a linguagem num contexto estabelecido pela relação de esclarecimento a algo que antes era desconhecido e passou ao espaço do esclarecimento, num movimento de preenchimento do que antes não se tinha conhecimento; segundo, não falamos ou raciocinamos sobre a linguagem: falamos e pensamos linguagem! A preposição "sobre" indica meio como forma de instrumentalização, refere-se a escolher um caminho dentre muitos, desconhecendo o que Heráclito de Éfeso diz em seu fragmento 50: Auscultando não a mim mas o logos, é sábio concordar que tudo é um. Noutras palavras, é dar a um determinado caminho a superação de todos os outros ao colocá-lo como único por meio da exclusão dos demais. Portanto, poetar é ser a linguagem em seu acontecimento, quando acontecer é desocultar o que antes estava oculto, é a verdade se revelando no seu mais profundo e íntimo gesto de desvelamento.
Enfim, o homem e a poesia têm uma relação muito íntima. Só conseguimos perceber tal proximidade quando conseguimos nos desvencilhar do olhar da produção. Isto é, achar que um poema é produto da criação quando configurado como objeto poético. Um poema enquanto poesia é poiesis, logo, é o agir do homem se desvelando como humanidade e se velando como homem. Portanto, viemos do silêncio e, numa simultaneidade do gesto criativo, dialogamos com a poesia na medida em que somos uma doação da poiesis e, em última instância, do Ser.
20 de fevereiro de 2007
Folias poéticas de um carnaval noturno*
No fim, dá-se o início! E só assim podem caminhar as sombras da poesia perdida à luz do poetar-pensante. Noutras palavras, criar é se desvelar, é sair do oculto e, sempre permanecendo, ser o acontecimento da verdade. Posto que esta é o que se revela em realidade, tensionando com o que se vela em realizações.
O homem é o uno que se desdiz em cada sopro, que se identifica com a efemeridade de um sorriso decadente ao perder sua, então, suposta unicidade. Contudo, não é a unicidade que é perdida, pois só se perde o que se retira e abstrai. Logo, o homem não abstrai seu ser: é homem em cada parte do seu corpo e em cada memória que se diz tanto reminiscência quanto realidade. O que se perde é, exatamente, aquilo que lhe foi presenteado pelo acaso, pelo rebaixamento racionalista do pensamento que diz o ser-homem ser construído socialmente.
As favelas da criação são fantasias forjadas na desilusão da canção perdida em assobios andarilhos. Cada nota é vento que rubra o contorno da percepção e volta à procura da harmonia, perfazendo-se em blocos de virtuais discussões e pessoas re-feitas por arranjos byticos. O carnaval ambíguo, feito de luz e sombras, a todos toma imperceptivelmente na medida em que os poetas se guardam em ilusões colombinas e se mostram no despertar epifânico do canto, da dança e da memória.
A pro-cura é primordial! O retorno (sempre esperado e presente) norteia todos, independente da vontade. A sobriedade do sombrio é o sagrado nas folhas de papel jogadas no lixo. Folhas estas que se metamorfosearam em telas iluminadas e recheadas de pixels que não dão espaço para o respirar, talvez para o transpirar, mas este já digitalmente composto. Os poemas rasgados na lixeira são restos de cansaço, mosaicos de pensamentos tensos, de movimentos furiosos. Tal receptáculo monturo é o continente privilegiado das sobras de elucubrações pífias ou modernamente não aceitas. No entanto, é necessário se ter cuidado e escutar! Auscultar com o ouvido quase penetrando a folha de papel amassado, pois ali está a vida! Ali repousa os caminhos que não encontraram seu “objetivo estético”, ali está a precocidade da não-escuta e o voraz ajuizamento comumente necessário ao descuidado trato poético vigente na modernidade dos suportes (entendamos suporte como o meio pelo qual algo é veiculado e a esse veículo é dada importância desmedida a ponto de se confundir conteúdo com continente em termos de importância essencial).
Ao contrário do que se pensa, poetar é tão simples e natural quanto viver! Pois poesia é vida acontecendo, é aperto de mãos e abraço no amigo querido, é o gorjear dos pássaros nas árvores, é a morte plena trazendo a novidade: doação para a vida, é o horizonte que nos contém e nos aponta as possibilidades. Poesia é ação de estar vivo, é poiesis! Não permite erros: é o próprio erro, quando este transcende mera adjetivação ou oposição metafísica (erro X acerto) e se diz percorrer. Daí que percorrer é se lançar na ambigüidade do caminho e experienciar os não-limites do percurso.
Enfim, criar um poema é a certeza de que toda gama conceitual que nos encobre de normatizações foi desfeita e jogada no limbo da inconseqüência. Criar um poema é poetar livremente, quando somos mundo em acontecimento e nos realizamos como vida!
*Em agradecimento aos "sombrios" e "titânicos" papos carnavalescos.
11 de fevereiro de 2007
Sinos mnemônicos da antropofagia digital
Lembra-se daquela igreja? Sim, seus sinos ainda são pontuais. Cada badalar ecoa, num instante, as reminiscências de uma dimensão extra. Contudo, sou poeta. Sou a história acontecendo, sou a linguagem em pleno vigor, sou música e musical. Então, o tal instante insta, para, no mesmo momento, deixar de existir como lembrança sob a égide da aniquilação.
As reminiscências extrapolam o lugar do conceito e se abrem mnemonicamente (Mnemósine). É memória viva desde sempre presente. É a possibilidade de todo possibilitar.
Os sinos deixam o altar e se sacralizam no próprio infinito. Mas não se sacralizam como num mecanismo de antes e depois, ou seja, não se configura uma situação em que antes não eram para depois passarem a ser sagrados. Portanto, já desde sempre o são. O que houve foi a destruição da escada após cada degrau alcançado. Daí, os sinos continuam a bater independente de qualquer antropofagia: high-tech... high-tech... high-tech...
High-tech
Na travessia do que vejo,
ao fechar os olhos
o bocejo da musa
sussurra o absurdo do nada.
O dizer que se fala calado
escuta o grito do coma espiritual
dos que repousam a cética liturgia
na hipermodalidade do desigual reflexo
Um toque.
Um clique.
A máquina da evolução
trava o andamento do espanto
ao cerrar a imaginação de outrora.
Fábio Santana
Minha página pessoal no Blocos Online
Vale a pena acessar e conferir o material disponível no site em questão e, para facilitar, este é o link da minha página: http://www.blocosonline.com.br/literatura/autor_poesia.php?id_autor=3277&flag=nacional
31 de janeiro de 2007
A pro-cura... o horizonte...
Somos o acontecimento da história na tensão do tempo, na memória, no que foi, é e será. E seremos sempre!
Apontamos em direção ao horizonte e nele nossa busca se faz eterna, pois a morte é o principiar de um fim na medida em que caminhamos. Sabendo que este caminhar não é um percurso retilíneo, linear, mas todo o tempo se realizando no porvir do que já se foi.
Não como ilustração, mas como o movimento de um pensar, trago o poema Horizonte. Até porque um poema nunca ilustra: acontece, cria seu lugar e uma realidade. Vamos à criação!
Horizonte
O pássaro.
As asas.
Em aberto céu,
as plumas em alvoroço
se admiram ao tocar o vazio.
O horizonte se expande
na inóspita queda:
o pensamento.
Em cada regurgitar de asas
singra liberta a ave
em mar etéreo.
O cemitério de todas as coisas
se fecha no respaldar taciturno
da fronte desguarnecida:
doce acalento das musas à eternidade.
O céu se abre na envergadura do infinito
e o mundo se vislumbra
no destino triunfal do espanto.
Fábio Santana
13 de janeiro de 2007
Shhhhhiiiii... silêncio...
9 de janeiro de 2007
Mais um percurso...
Pensando o medo esbarrei no limite. Não no limite do medo, mas no limite que faz o medo ser o percurso entre o princípio de uma certeza e a fragilidade de sua extinção.
Agradecimentos ao meu amigo Branco.
8 de janeiro de 2007
Alguns pensamentos da madrugada...
Respondo: pícaros esqueléticos que vigem na sombra de qualquer descrente do esvaziamento aniquilatório da verborragia infame!!! E daí? Mais buracos são desfeitos na ocorrência da longevidade incrédula do ambulante exaurido.
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Qualquer palavra só é dita na medida do pensamento quando este se volta ao princípio, ao originário de si mesmo e concresce com aquele que abre os olhos e se joga na anterior escuridão do raciocínio.
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Qualquer palavra pronunciada carrega os restos de saliva dos mal-cheirosos pensamentos em orgia com a beleza da ingenuidade de um pôr-do-sol.
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Qualquer elogio é inversamente proporcional ao umbigo!!!!
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