11 de julho de 2010

Ensimesmado


Ensimesmado num troço de girar realidades,
me pertenço no traço que rabisca o sopro do vento.
Desenho estranho que se entranha no espelho,
uma linha de fuga que guarda a figura do horizonte.
Então, o que me sou no espelho é aparição de horizonte?
Um horizonte de mim quando me sou e não me sou,
mas quando a dúvida arranha os ouvidos da imagem
na frialdade da superfície refletora,
o que escuto são as vozes que antecederam uma sonoridade:
o barulho da audição voando a rumos de infinito.
O espaço que preenche os zunidos do que se pôs ouvinte
é lenda contada no antes de cada sono.

Ensimesmado no que recolho das falácias sobre mim,
cada ponta de letra é saliva na fala de quem me vê.
Me ver é me sentir?
Quando a voz irrompe em trovas de amores vãos,
a imagem de um rosto se penumbra nas lembranças de outroras,
o odor de passados se fagulha em um momento:
espaço de acontecimentos presentes que enredam na linha
do seu rodeio o tempo do sempre sendo.
O dizer prega no vento o mosaico de memórias:
iscas de meus dedos na mão outra que a mim se estende.

Ensimesmado me faço transeunte na escalada de sussurros:
o segredo guardado num ouvido alheio é fonte de riquezas.
Palavras embrulhadas no escuro de outras audições
se entulham misturando-se com o burburinho de outros passados,
a voz que sai dos ouvidos e ganha a boca
é costura de personas em cada meu alvorecer.
Me sou outro no lampejo de minhas andanças,
um pé que sequestra chão nas marcas do futuro passado,
que molda na poeira dura da terra a passagem de uma travessia.

Ensimesmado me sou círculo que roda em pontas de agulhas:
a dor de seguir andando é fonte de segredos ao pé do ouvido:
escutas tortas de vozes que derivam risos.
O gesto é traçado de nuances no borrado de uma passagem
que finca a esmo a trajetória de ventos e resquícios.
Sendo assim tão difuso,
o confuso de dizer o agora se perde em tentativas veladas.
Quando se é outro na tangência de um eu?

Ensimesmando em continuidades
a subjetividade é prisão que organiza caos:
dizer uma foto é
apreender a imagem de um borrado ordenado
em cores e formatos conhecidos:
o excêntrico pôr do sol é luz que implode em noite.

Ensimesmado, quero ser pôr do sol.