11 de janeiro de 2019

Manual descartável de como dizer poemas no escuro


MANUAL DESCARTÁVEL DE COMO DIZER POEMAS NO ESCURO[1]
Fábio Pessanha

I

andar sozinho como quando o dia se abre para a noite e todo o resto é entardecer. andar sozinho, como se… como se dizer algo fosse... como se dançar no obscuro… como se o poema cedesse ao inseguro… e essa música que não sai da cabeça...

... o peso das coisas com hora marcada. os prazos. a parte que se perde. o que fica de resto. o que empresto no verão quando só quero inverno e o poema que não chega... aquilo que compõe o desejo de ser leve. o que decompõe aquilo que falta para ser livre...

... a metonímia das formas...

... e saber que todas as coisas querem casas. que todas as casas perguntam como abrir a porta para chegar ao quarto à procura do poema.

II

encontrado entre o piso quebrado e o pé empenado da mesa, um manual descartável para ser lido em voz alta sobre como dizer um poema e não tropeçar no escuro:

1.      pegar a palavra de jeito na metáfora. depois de olhar de cima do morro de onde ela desce amassada pelos braços entre as curvas. as vielas. os becos;

2.      encontrar o poema às escondidas nos muros escuros. inventar segredos com eles. desarrumar seus cabelos;

3.      ocupar os espaços proibidos. burlar a promessa do corpo não violado para dizer o poema como se a palavra nunca tivesse existido como se o poema nem sequer fosse nascido;

4.      engasgar com o ritmo do silêncio ao romper a veia inchada das imagens durante o calor dos corpos. conspirar por mais um segundo apocalíptico;

5.      esquecer tudo que se disse. deixar os dogmas antigos. inventar outros novos. a fim de destruí-los;

6.      dizer o poema como quem fala com a boca cheia tentando acertar o próprio olho no meio da frase;

7.      dizer um poema que não existe e habitar a metafonia das cores;

8.      errar a imensa boca cheia de entulhos de tudo que foi deglutido e atrasado no meio da garganta rumo ao estômago perfurado pelos pregos engolidos ante a tentativa de dizer “eu não minto”;

9.      dizer o poema como a tragédia dos picos inclinados para o sol em busca de luz para o corte repentino dos versos que teimam pela inteireza das linhas;

10.  ocupar as encruzilhadas onde – alguns,quase todos – poetas batem ponto.

.
.
.

P.S.:
não
é possível
dizer
o poema
sem dizer
o poema
é preciso
esquecer
o poema
para dizer
o poema



[1] Publicado originalmente na coluna “palavra : alucinógeno”, que assino na Revista Vício Velho.

27 de dezembro de 2018

Uma conversa sem eira nem beira


UMA CONVERSA SEM EIRA NEM BEIRA[1]
fábio pessanha

te perguntaria com os olhos como desenhar aquilo que falta nas coisas. se é que falta. se é que coisas. já tentou dizer uma frase sem palavras? como envergar o silêncio nas pernas? você precisaria ver. convite? aceito. mas é preciso ter gramado. as folhas colam nos pés como se fossem galhos. a pele entra no espinho de tal maneira que só ficam rastros pelo caminho. e tudo que se abre rasga. o fio que passa preciso desfaz os vincos da pele. o sangue abre fendas no fundo opaco das retinas.

bebia-se vinho durante as horas de espera enquanto um rinoceronte lia as notícias do dia. entendo por galáxias aquilo que não me chama no nome. às vezes deita, outras some. só com fome se ri sem os dentes. depois me conta com qual arpejo se monta um arco-íris. é preciso quanto para chegar até? vai de ônibus ou de uber? tem mais? e quando chegar, avisa? sei lá quanto tempo leva a metamorfose do barulho no silêncio. nem sei se é metamorfose porque barulho é silêncio. em suspensão. então é um caso de metáfora? quem carrega nos ombros o crespo das palavras não sai ileso delas.

“Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia”

nem sei se é verso essa linha que não chega. essa linha que. essa linha. só sei que é retorno. um ritornelo. volta sempre ao que já era velho. um vício. mas de velho nem mesmo a palavra que nasce a todo instante. obscena. vou escrevendo sem querer. tal qual o gesto daquele corpo cheio de entornos. a gente vai vivendo e vê que é tudo história. ou poema.

                                          “Queria estar com você em Madri
levitar pelo Paseo de la Castellana
degustando um Rioja
comer uma paella
y fazer um poema concreto
com as cascas de mariscos”

e deixar pelo caminho restos de tudo que acendemos naqueles postes impossíveis. subi na contramão de quem dizia ter atropelado a vontade de descer até o fundo de qualquer coisa. quando terá chuva? tem medo de água? quero molhar meus segredos e dançar. mas amanhã é segunda. você vai? depois de torcer os tornozelos até alcançar a nota mais aguda.

já? nem respirar queria. ser eterno no tempo de um fôlego engolido não é para tantos. com quantos dentes se morde a carcaça do que se deixou para dentro da. você fuma? estou tentando começar. acendo todos os dias meia hora de descaso. contanto que me pare estou disposto a dar o troco. e quanto é? quanto não é a pergunta porque é preciso ser menos metafísico e mais ontológico. é preciso entender que

“no bombardeio do instante
enlaçamos com a força de mil tentáculos
o corpo e a exata palavra”

é necessário matar as moscas que entupiram os ouvidos de tanta gente cega. só enxergam palmos e deixam o corpo todo de fora. mas como sair de fora do corpo? deixar a realidade? dá? não é de hoje que te digo isso. não adianta. a avenida já está escura e o relógio marca a hora de dizer que já foi o tempo em que o tempo cabia num ponteiro. é preciso regar a agonia das flores e convidar os pagãos a beber mel descalços. é preciso acender a encruzilhada com atores que vistam a nudez dos joelhos cristãos. à meia-noite? as velas não têm vez na encenação dos leds. então é tudo mentira? como se existisse a verdade.

a exata palavra de um poema concreto sem pensar em que o sinto. o instante enlaçado a tentáculos entre as cascas de mariscos. tentar encostar a palavra na ideia. essa conversa sem eira nem beira. acabou? quando muito se começa a hora se vai no roxo daquela pancada na porta. era tudo vão. o poeta é puro oco. igual à música do Raimundos.

P.S. por causa de uma conversa se vai longe. o quanto se pode dentro do impossível. muita gente passou por aqui, alguns mudos, outros desencontrados. mas dá para mencionar uns, os mais visíveis. o primeiro foi Alberto Caeiro, com o poema XLVI de O guardador de rebanhos. muito difícil ficar longe do Pessoa em tempos de tanta gente cega e de bem. depois veio a Monique Brito, poeta e professora de química da UFF, com o poema “Devaneios clandestinos no lab”, que integra seu livro de estreia (de poemas) Retrato da FARMACÊUTICA quando ARTISTA (Rio de Janeiro: Autografia, 2018), o qual foi finalista do Prêmio Rio de Literatura 2018. depois chamei pra conversa o poeta Carlos Orfeu, com um poema que integra seu livro (in)visíveis cotidianos (Marabá: LiteraCidade, 2017). no mais, não sei de nada.


[1] Publicado na coluna “palavra :alucinógeno”, que assino na Revista Vício Velho.


27 de novembro de 2018

Defesa da minha tese de doutorado!


Galere, boa notícia! No dia 03/12, às 14h, defenderei minha tese de doutorado, intitulada “Manoel de Barros e Paulo Leminski: a palavra como experiência do poético”. A defesa vai rolar na sala F-329 da Faculdade de Letras da UFRJ e, como perceberam aí no título, em minha pesquisa resolvi reunir esses dois imensos poetas para pensar, questionar, me perder nisso que se chama palavra poética. Então, quem estiver de bobeira no dia, é só chegar!

Vou deixar aqui o resumo da minha tese, para terem uma noção do que trabalhei:

“As obras de Manoel de Barros e Paulo Leminski foram a base da discussão que tratou do sentido poético das palavras e como estas se realizariam a partir do diálogo crítico entre os citados poetas. Transitamos por questões que consideramos fundamentais e, para a realização deste trabalho, propusemos a seguinte organização: na introdução e primeiro capítulo expusemos a questão que seria tratada ao longo da tese, que é a do poeta enquanto lugar de acontecimento da poesia. No segundo capítulo, concentramos nossa leitura em Manoel de Barros, onde elegemos o Livro de pré-coisas como referência para estudarmos principalmente o ritmo, a imagem, a voz, a tensão entre homem e poeta, a biografia, a ficcionalização poética do Pantanal e sua configuração personativa, assim como o limite entre prosa e poesia. No terceiro, concentrarmo-nos na poética leminskiana, tendo o Catatau como potência poética. A partir deste, estudamos principalmente o ritmo, a linguagem, a língua, a tensão entre prosa e poesia, a imagem, a subjetividade, a plurivocalidade e o sentido surrealizante do idioma. No quarto, fizemos a interlocução entre as poéticas barriana e leminskiana, a fim de estudarmos algumas das questões que consideramos cruciais para a consolidação desta tese, tais como a imagem enquanto poética da identidade, o inutensílio, o âmbito hermenêutico-filosófico de terra, o acirramento poético-filosófico entre o que seria o poeta e o não poeta. No quinto, concluímos o trabalho e informamos atividades externas realizadas ao longo da pesquisa, cujos resultados convergiram para a composição desta tese.”

16 de novembro de 2018

Poema "aos cadáveres não sepultos" e outras notícias


Faz tempo que não apareço por aqui. Mas cá estou, e com boas notícias! Antes da boa-nova, aviso que tem poema inédito meu na edição especial de novembro da Revista Vício Velho.

Era para ser um poema sobre os mortos para o dia de finados. Mas foi ressignificado. Ele foi escrito no dia 28 de outubro, eleições, e fez muito mais sentido para mim depois do resultado que tivemos. Eis um poema aos cadáveres não sepultos, que estão muito vivos e nos rodeando, e que também, às vezes, somos nós.

aos cadáveres não sepultos

estou morto como aquele cadáver
que ri quando perde a carona estou
morto como aquele imbecil cadáver
feliz pelo sol que bate na pele
e não queima estou morto como aquele
cadáver que não se importa com o que
vão dizer que vai à praia entra de
roupa e tudo estou morto como os grãos
de areia que grudam nos cantos dos
dedos dos pés e eles colocam
meias pra acabar com o que sobrou do
dia estou mais acabado que aquele
cadáver que distribui beijos a
quem não merece que inventa maneiras
diferentes de abraços em quem não
existe estou tão morto quanto aquele
cadáver que está mais morto que eu

fábio pessanha

Link do poema na revista: http://bit.ly/2Thx3QY

A boa notícia que falei acima é que em breve, no dia 03 de dezembro, às 14h, defenderei minha tese de doutorado na Faculdade de Letras da UFRJ. Juntei as poéticas barriana e leminskiana no trabalho que se intitula “Manoel de Barros e Paulo Leminski: a palavra como experiência do poético”.

Daqui a pouco trarei mais notícias! Tanto sobre minha tese quanto sobre outras atividades que tenho feito por aí. Ah, não deixem de visitar a coluna palavra : alucinógeno, que assino na Revista Vício Velho. Já tem textinho sendo preparado para ir ao ar! Aguardem!

21 de julho de 2018

Hilda Hilst: como tudo que me falta e me excede: vozes poéticas


Minha coluna palavra : alucinógeno, está a todo vapor na Revista Vício Velho!! Já conhecem? Sim? Que ótimo!!! Não? Ahhhhh... então, passa lá!! E aproveitem para conferir o mais recente texto que escrevi sobre a Hilda Hilst. Ou melhor, não escrevi sobre a Hilda, mas com ela, de dentro da voz dela. Confere lá meu ensaio-delírio “Hilda Hilst: como tudo que me falta e me excede: vozes poéticas”. Eu sou Hilda Hilst quando a leio. Você é Hilda Hilst quando a lê. Sejamos!



Diálogo inventado para uso dos pássaros - uma ciranda entre os poemas de Fábio Pessanha e Manoel de Barros

Apresentação que aconteceu no dia 17 de julho, no Salão Nobre do Teatro Municipal de Niterói, dentro do Projeto Roda de Novos Poetas, organizado pela produtora cultural Teca Nicolau. Criado por mim e pela atriz Tainá Pimenta, demos corpo ao “Diálogo inventado para uso dos pássaros”, que se trata do diálogo entre meus poemas e os do Manoel de Barros.


Inventamos uma ciranda onde meus poemas e os do Nequinho deram as mãos a partir da minha interpretação, além da dança, da dramaturgia e da voz da Tainá.

Foto da produção

Foto: Luiz Ferreira

Foto: Luiz Ferreira

Foto: Luiz Ferreira

Foto: Luiz Ferreira

Foto: Luiz Ferreira

Foto: Luiz Ferreira



2 de junho de 2018

O que se sabe sobre o que se precisa saber para ser um poeta


Pessoas queridas, atentas e distraídas, saiu o novo ensaio/happening textual em minha coluna palavra : alucinógeno. Dá uma passada lá para conferir “o que se sabe sobre o que se precisa saber para ser um poeta”, a partir da leitura que fiz de um poema do Gary Snyder.



20 de maio de 2018

palavra : alucinógeno - minha coluna quinzenal na revista Vício Velho




Galera desse mundão, tô chegando pra avisar que tem novidade no ar!!! Fui convidado pela querida Carolina Martins para criar uma coluna na Revista Vício Velho. Aceitei. Filho gestado. Hoje nasceu!

Foi ao ar palavra :alucinógeno, que terá publicações quinzenais a respeito da palavra poética, da palavra como corpo pensante, gozante, morrente, vivente. A ideia é flagrar a própria palavra querendo se apropriar dos seus desvios, avios, envios, numa tentativa – falida de antemão – de se dizer a poesia que nos exerce. Para começar, escrevi o texto “notas sobre uma escoliose hermética”.

Chega junto! Aparece lá! Me conta como foi!