23 de dezembro de 2013

A hermenêutica do mar - Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos

Meus amigos, é com muita alegria que dou a notícia de que meu livro finalmente está pronto! A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos foi escrito principalmente a partir dos cinco sonetos iniciais do livro Para fazer um mar, do poeta moçambicano Virgílio de Lemos, trazendo evidentemente diálogos com outros momentos de sua escrita assim como a leitura de outras obras poéticas, literárias ou filosóficas.
Já disponível na Livraria Cultura, em breve este livro estará nas demais livrarias do Brasil (inclusive virtualmente). Mas, enquanto isso, quem quiser adquirir um exemplar, basta entrar em contato comigo por este blog. Abaixo, segue o texto da quarta capa (ou contracapa). Estão todos convidados à leitura!


De dentro de uma escrita poética, um mar foi feito... melhor, vivido. Respirando a maresia dos sonetos iniciais de Para fazer um mar, do poeta moçambicano Virgílio de Lemos, foi possível o mergulho empreendido no livro que o leitor tem agora em mãos.
A partir de uma artesania poética, composta por morte, queda, susto e epifania, travou-se a escritura de um mar. Um mar próprio, que passa a existir, a se fecundar em cada leitura, pois essa foi a experiência realizada em A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Cada palavra presente em tal obra alinhava um nascimento, uma onda versificada em pele e escrita: poesia. E, considerando que ler significa entrar naquilo que se entranha em nossa visão, em nosso corpo, li de corpo aberto ao vento os mosaicos imagéticos dos poemas virgilianos e fui enredado por sua poética. Com isso, pude criar meu próprio mar, meu próprio caminho e me perder em minha andança: solidão de letras e presságios, música e pés descalços, gerados pela entrega aos versos desse importante e fundamental poeta moçambicano.
Agora só me resta convidar aquele que quiser desbravar suas próprias águas a cair em profundo salto. Convite feito! E o mergulho acontece durante o aceno do leitor em se molhar nessa escrita temperada com sal do mar, pôr do sol, horizonte e palavra.

19 de dezembro de 2013

Homenagem ao poeta Virgílio de Lemos

Na sexta, dia 06 de dezembro, faleceu o poeta moçambicano Virgílio de Lemos. Pensei em escrever algo imediatamente, mas não queria ser oportunista e nem ser mais um a encher a internet com as mesmas informações sobre sua biografia. Contudo também não posso ficar calado, considerando que foi com sua poética que amadureci minha escrita...
Não nos conhecemos pessoalmente, mas trocamos e-mails desde 2006, quando durante minha graduação em Letras tive contato com sua poesia. Desde então, terminada a graduação e durante o curso de mestrado em Poética (durante o qual não só me debrucei quanto me fiz inconsequência em seus versos) pude perceber o vigor verbal de um poeta que existe por sua poesia. Por isso, e também sabendo o quanto o Virgílio não gostaria de melodramas (e este isso também não condiz com meu perfil), resolvi postar esta homenagem, com qual trago a público o primeiro poema que me tirou o chão e me lançou no meu próprio caminho.
É preciso dizer ainda que não foi o poeta Virgílio de Lemos que morreu, e sim o ente de carne e ossos entregue à surpreendente, inevitável e inaugural insistência de existir durante a morte. Outra coisa importante a se dizer é que seu heterônimo Duarte Galvão (autor do poema que trarei) apareceu para mim de forma controversa, suscitando muito mais do que uma perspectiva de cunho social. Desde que sua poética me tomou, enxerguei nesse heterônimo o vórtice no qual as palavras em seu sentido comum festejam a orgia de serem verbo e criação contínua... Este não foi o primeiro poema que li do poeta, seja ortônimo ou heterônimo, mas foi o que primeiro me lançou em meu abismo...

Tu és fábula

Tu és fábula
explosiva
e realidade
limite entre a gula
e o vômito
entre a volúpia
e a náusea
do verbo.
Tu és abstracto
respeito
voo
de metáforas
intestinais
de música e morte.
Tu és reflexão
artífice
de suspensos
concêntricos
enigmas de medo
masturbados
sublimados
gemidos de guerra
nos teus olhos
suicidas.

(Duarte Galvão, 1962)

10 de dezembro de 2013

O homem e sua condição de margem

Meus amigos,

Acaba de ser publicado no nº 19 da Revista dEsEnrEdoS meu ensaio “O homem e sua condição de margem”. Então, estão todos convidados a dividir essa leitura comigo! Para isso, basta acessar o link acima. E, para dar uma prévia do meu texto, deixarei abaixo seu primeiro parágrafo. Boa leitura!

O homem está mais para margem que acervo bilíngue de vagabundos. No panorama dos seus pés moram as vias que o conduzem ao encontro marcado com seu próprio desenredo. A cada passo dado, é impresso no chão o risco de se criar esteiras de caminhos e presságios de infinito. Seu rastro é sua alcunha quando eleito magnífico miserável de imensos veios.

24 de novembro de 2013

Texto da Fernanda Angius para meu livro!

Finalmente meu livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos está pronto! Muitíssimo em breve estará disponível nas melhores livrarias do Brasil!
Depois de um trabalho muito árduo e um longo tempo de espera pelo melhor momento de trazê-lo a público, enfim, a expectativa acabou. Para iniciar a comemoração e deixar uma prévia do que vem pela frente, divido com os leitores o texto de orelha que Fernanda Angius, professora em Maputo e uma das grandes pesquisadoras da literatura moçambicana, escreveu para meu livro. Fiquem, então, com o texto de orelha que a Fernanda Angius escreveu:

A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos interessará quem ama a poesia e conhece quão intrínseca ela pode ser na vida de cada um de nós. O autor deste livro foi capaz de mergulhar no mar de imenso azul virgiliano e captar o sentido profundo de seus versos.
Fábio Pessanha descobre o sentido de osmose vital do poema virgiliano, e aponta-o como verdadeira produção cosmogónica, na medida em que atribui à poética de Virgílio de Lemos a força geradora de vida, consubstanciando o sagrado criador e a matéria criada.

Etiópia Sudão Novo Mundo e extremo Oriente
escravos e canelas, baixelas de prata bordados.
Será que posso falar de omnipresente osmose
entre o sagrado e o grito mineral da carne?
(Virgílio de Lemos, “Ouamisi”)

Fábio Pessanha, o autor deste livro, domina a linguagem poética e, arrojadamente, “desvenda” uma faceta pouco tratada de outro poeta; e este outro é multifacetado e faz do mar o seu mundo e o seu corpo, respirando com paixão o mar. Este é cantado nos seus versos, impondo-se como sujeito lírico por excelência. A nossa curiosidade é desperta para um poeta moçambicano pouco conhecido. Um poeta para quem o mar é constante inspiração e fonte de energia.
Fábio Pessanha consegue, neste seu livro, tornar-nos cúmplices de Virgílio de Lemos e sentir a poética do mar na sua poesia. Segundo ele, “O tempo é teia que enlaça e amordaça o falatório de um momento. É rede que apanha a ruptura das divisões e molda nos seus nós o entrecruzamento de espaços: memória.”
A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (este que é poeta, jornalista literário e ensaísta, de origem moçambicana) leva-nos ao âmago do sentido que o mar tem na poesia de Virgílio de Lemos. Os seus versos são “fulgurância do real em lampejos de realidade” e esta talvez seja a melhor definição da poética virgiliana nas variadas representações do seu mundo interior e do seu imaginário. Aliás, tempo e memória são bem analisados no capítulo em que o autor trata o tema.
Baseando o seu interessante trabalho em, apenas, cinco sonetos do poeta estudado, e sabendo nós da extensão quase interminável da obra virgiliana, consideramos que a ousadia é coragem. Segundo o autor, Virgílio de Lemos, através do binómio tempo/memória, faz “a consubstanciação de corpo em mar” “e assim vão galopando os versos, com imagens que repercutem no interior do seu mistério a vigilância de penetrações etimológicas, de sonoridades coloridas ou acidez iridescente.”
Admiramos em Fábio Pessanha a ousadia com que “deitou mãos à obra” e se embrenhou na poética virgiliana. Hermenêutica do mar virgiliano, difícil, mas aliciante, este livro traz aos estudiosos da Literatura moçambicana um contributo importantíssimo para o reconhecimento universal de Virgílio de Lemos, um dos maiores poetas moçambicano na diáspora.
O autor deste livro, como ele próprio confessa, foi arrebatado pela poética do poeta estudado – contagiando o leitor, que não pode deixar de querer conhecer o eterno amante do mar – e mergulhou na sua lírica, seguindo os caminhos misteriosos das florestas semânticas de onde jorram os sentidos que dão significação à vida.
Se Fábio Pessanha não fosse o poeta que conhecemos, esta hermenêutica do mar não seria lida assim, pois o texto nos revela um autor que na poesia encontra sua preferida habitação. Trata-se de uma poética a desvendar outra que a iluminou.

Maputo, 31 de agosto de 2013.
Fernanda Angius



3 de novembro de 2013

Queda...

Do chão que me levanto ao céu que me estendo, caio profundezas de intermédios no opúsculo visceral de bocas e ensejos de versos... que cultura traz o culto do sonho ao se entregar sereno à queda?...

16 de outubro de 2013

Poetas...

Um poeta é aquele que vive sua morte todos os dias, num adentramento profundo em si. Ser poeta é um ensimesmar-se no que supostamente se considera ser o repetido do cotidiano. Não existe repetição, mas presentificação constante da própria morte que é. Ou então, podemos pensar, a verdadeira experiência da repetição é aquela que exerce em sua constância a diferença, como lemos em Manoel de Barros: “Repetir repetir – até ficar diferente”.[1]



[1] BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 300.


9 de setembro de 2013

Acontecimentos poéticos – As margens do poético

Entre os dias 09 e 11 de setembro, ocorrerá no Curso de Letras da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques a IV Edição do Projeto Acontecimentos Poéticos, com a temática “As margens do poético”. Aproveito para divulgar que no dia 10 participarei da mesa-redonda “A poética na margem” com um trabalho intitulado “O homem e sua condição de margem”, tendo início às 20h30. Para quem se interessar, é só aparecer! Segue a programação do evento:

PROGRAMAÇÃO

09/09 – 19h – Abertura

     19h 15 – Conferência de Abertura – “O caminhar poético como margem da poética”, com o Prof. Me. Sc. Fábio Galera (FTESM - UFRJ)


     20h – Café


     20h 15 – Mesa-redonda – “Lançamento do livro Caminho, Poética, Acontecimento, de Fábio Galera” – Moderador Prof. Me. Sc. Tarso do Amaral (FTESM - UERJ)

Participantes:
            – Prof. Me. Sc. Fábio Galera (FTESM - UFRJ)
            – Prof. Me. Luís Felipe Castro Alencastro (FTESM - UFRJ)


  10/09

     19h 15 – Mesa-redonda – Poesia em Língua Inglesa – Moderador Prof. Me. Sc. Tarso do Amaral (FTESM - UERJ)

            – “Allen Ginsberg e a Contracultura”, com o Prof. Dr. Marco Alexandre de Oliveira (PUC-Rio)
            – “A Recepção Criativa de Dover Beach”, com o Prof. Me Alexander Rezende Luz (UFRRJ)
            – “Poesia Confecional: A Vida e Obra de Sylvia Plath” , com o Prof. Me. Davi Ferreira de Pinho (UERJ)


     20h 15 – Café


20h 30 – Mesa-redonda – “A poética na Margem” – Moderador Prof. Me. Sc. Fábio Galera (FTESM - UFRJ)

            – “Um olhar de menino nas margens da poética”, Prof. Me. Sc. Fábio Galera (FTESM - UFRJ)
            – “O homem e sua condição de margem”, Pesquisador Me. Fábio Santana Pessanha (UFRJ)
            – “O poético e os limites da Poética”, Pesquisador Me. André Lira (UFRJ)


  11/09

     19h 15 – Apresentação de Trabalhos dos alunos da Graduação em Letras da FTESM


     20h 30 – Recital, sorteio de livros etc.

19 de agosto de 2013

Palavra é corpo

Palavra é corpo. Falamos com a profundidade do que somos e não somos em cada desenvoltura de letra, mais ainda, em cada inspiração que infla os pulmões e corrompe o diafragma para se exultar em fonemas, morfemas ou sílabas. O corpo vai junto a cada espasmo de fala, e isto significa que o corpo está se pintando poeticamente na palavra.

Passagem retirada do ensaio “A ciranda da poesia: palavra: corpo: homem: poeta”, que escrevi para compor o livro Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento, organizado por mim e outros professores. Tal livro foi publicado em 2011 pela Tempo Brasileiro.

22 de junho de 2013

Tempo e poesia

Meus amigos, quero dividir com vocês o texto que escrevi para a orelha do livro A Poética do Tempo, de Angela Guida, editado pela Tempo Brasileiro. Tal livro integra a Coleção Pensamento Poético que, sob coordenação do Prof. Manuel Antônio de Castro, “[...] tem por finalidade acolher obras em que se faça presente a unidade poética de arte e pensamento. Trata-se de obras que têm como horizonte o questionar e o unir saber e ser. Dessa maneira o pensamento crítico, que as orienta e é inerente a toda obra poética e de pensamento, se inscreve no originário, onde criticar diz o vigorar da verdade da realidade em seu dar-se e retrair-se dialético-existencial.”[1]
Sem mais delongas, fiquemos abaixo com o que escrevi para a orelha de A Poética do Tempo. E aviso que o meu livro já está em processo de produção! Aguardem!!



Tempo e poesia
Fábio Santana Pessanha

O tempo poético, podemos pensá-lo como sendo rascunho de poesia, a tentativa de agarrar o pensamento no pulo. Então, como não é possível enlaçá-lo, só nos resta vivê-lo com vistas de horizonte. Como? Existindo, sendo...
O existir – como entremeio de vida e morte – é o maior desafio do homem, na medida em que este restitui sua humanidade ao imprevisto da própria existência. A tomada dessa consciência é o instante do salto, momento fulcral em que o homem decide pelo poético, e que Angela Guida soube perceber muito bem nesse livro. Aqui, estamos diante das veredas que ela traçou e que permeiam a transitividade entre o homem e si mesmo, como uma das possibilidades de o tempo se dar.
Conforme a autora comenta, o tempo não será definido, tampouco classificado por inúmeras categorias teoricizantes: quer seja o psicológico, o cronológico ou mesmo o poético. O cuidado dela em não se deixar ludibriar pela sedução do já-dito é evidente, e isso percebemos quando nos deixamos levar pelas mãos de sua fala. Pois, pelo menor descuido, o poético se tornaria apenas mais uma maneira de se classificar uma modalidade temporal.
Angela Guida dialoga ainda com a perspectiva de vários pensadores. E mais uma vez resvala no tênue limite de se pensar o tempo poético sem que o mesmo se torne mais um paradigma de delimitação temporal, como já apontamos. Daí, surgem os desdobramentos, isto é, questões que sinalizam a densidade do tempo, como esquecimento, instante, memória, tédio, finitude, moira, kairós, impermanência etc. E segundo a própria Guida: “[...] a busca pelo tempo poético, na verdade, é a busca pelo pensamento, é a busca pela clareira. E para que tal busca se dê, faz-se necessária uma ‘aprendizagem de desaprender’, a fim de que possamos nos libertar de leituras e definições fechadas que, de alguma forma, tendem a aprisionar o pensamento.”
Por ser todo trilhado pela tessitura do diálogo, sua obra nos convida ao salto. Ou seja, não temos em mãos um livro que soluciona – ou que define – o tempo poético. Ao contrário, temos o embate se dando a olhos vistos, entranhando em nossa tez o inesperado de um tempo que é sempre poético – por ser incessantemente inaugural –, convidando-nos ao exercício de sermos poesia. Como? Despindo-nos de nossas vestimentas conceituais e nos abrindo ao abraço do imprevisível: ficamos de corpo nu, sem pudor, libertos para nos abandonarmos a nós mesmos, uma vez que somos a realização do imprevisto em carne e gesto de humanidade.
Portanto, que nos enredemos por nosso próprio movimento de queda, que nos abandonemos no abismo de ser o pensamento que nos pensa, pois só assim poderemos exercer o desafio de ser, ao mesmo tempo, vida e morte em ciranda: tempo.



[1] Citação retirada do livro em questão.

8 de junho de 2013

26 de maio de 2013

Excerto poético II

Duas camas amanheceram em meu corpo. Numa delas, o pássaro da lua fez seu ninho; na outra, deu-se o desfecho do sol. Cantigas rumaram para a cabeceira dos dois poentes...

21 de maio de 2013

Excerto poético I


Andando em colorações vulcânicas, abri o peito à fulgurância das chamas. Das chispas transeuntes de meu corpo floresceu um salto. No percurso entre queda e chão, dei-me nu de nomes. Chamamentos se fizeram tatuagem em carne viva, e fiquei em pele de palavras...

14 de abril de 2013

Compartilhando minha "Disfunção lírica"


Meus amigos, divido com vocês também aqui pelo blog o meu ensaio “Disfunção lírica”, publicado na edição nº 31 do periódico trimestral Labirinto Literário (o link leva ao blog do Labirinto, porém o periódico é distribuído em pdf, depois de feito sua solicitação). Estou aberto a comentários! Segue o texto:

DISFUNÇÃO LÍRICA
Fábio Santana Pessanha

Eu só sei que foi assim: a poesia me fez poente; deixou-me por do sol em céu de canela e nuvens. Quando eu era fala burocrática, arremedava uns gestos de outrora, umas pencas de passagens, uns compassos de música ensandecida. Mas ainda ficava a bordo do desaviso... Agora, sou verso em mãos crentes, em coração e boca quentes de verbo.
De tão absorto que fiquei, acabei chegando já chegado, porém sem desbocar a coisa dada em frases e conjunções. Mas vou contar o acontecido para que sua vista se festeje em comunhão com todo o corpo.
Eu sempre fui dita por boca desdentada, mas desdentada no pior dos sentidos: sem favas, manhas (mas com muitas artimanhas). Eu era tacada certeira em alvo errado, um achado de coisas desditas. Era uma fala parca, sem pronomes, gerúndios ou gerânios, contudo atacava o verbo de todos os modos. Diziam para eu deixar de ser tola, que não precisava de nada dessa coisa de efusão (confusão que era essa tal palavra que por não ser de mim, me era estranha, nem tão clara, mas muito cara!). Então, me achante que eu era, me fiz rogada e postulada das clarividências dos ditos e desditos. Com gorjeios espúrios, eu era aclamada pela certeza dos meus atos. Afinal, a fala também se desengana quando imersa nas cinzas dos descantos, na rubra febre do comum dos dias antros. Eu era fala na boca de erudito, amassava as curvas das palavras, rubricando nas quadradezas das frases retas. As palavras em dentes eruditos não brincam, são sermões consonantais ao forte sol de meio-dia. De uma infância florida com pulos e riachos, as corredeiras da minha senda se transformaram em relatórios listados e formatados, meus risos guardaram seus colares e meu encanto se enformou amianto. Uma fala sem cintura, não rebolava nem entoava os eflúvios de ninfas encantadoras; era tosca e desdenhosa, tão sem flor quanto chute descalço em pedra despercebida. Enfim, de passagens me tornei paragem. Uma alfinetada no estômago da palavra, cuja queda se fez arremedo de paraquedas. Mas isso foi num então que depois de uns outroras se tornou pois sim. E já digo como foi!
Fala empapuçada de gravata que eu era, com nós cegos, surdos, mudos, decentes e consequentes, um dia me esbarrei com um verso em desvario. De tão desconcertada que fiquei, fui atrás do dito cujo, achando o achado de sua repetilência. Corri atrás do seu rastro, me fazendo desusada de olhares certos. Tive que incorrer na errância para me aproximar da nuança de sua passagem! Que canseira me meti a atrever cores em meu cinza! Para me apegar na poesia, fui desdentrando a certeza que me ocorria e redesvendo a reteza dos meus passos. Dificílimo é desendireitar o direito, quando o antes de seu pleito já fora tão esquecido, que é tido como nunca havido! No de repente de um átimo, uma fagulha fez seu risco no meu céu... deixei-me liso de entraves e fui percorrer o rascunho desse desalinho. Ainda que manca de um olho só, retirei a cera dos ouvidos e me pus a escutar:

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.
1 – Aceitação da inércia para dar movimento às
palavras.
2 – Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 – Percepção de contiguidades anômalas entre
verbos e substantivos.
4 – Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 – Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 – Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 – Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.[1]

“A disfunção” dessas palavras me encantou... aí já era tarde e o perdido fez-se pronto! Duvidosa fiquei por esse encanto, pois eu que era manca de palavras, de repente me vi saliente em versos. Mais um outrora me ocorreu, daí pensei que isso, na verdade, já era meu. E fiquei contente!
Ainda descrente, demente, devente desse pranto que mentecaptou minhas vistas linguais, torta dos confusos, me achava presente... estava mesmo era parturiente... Em que cova me metia no desenredo desses meus dias? De nada em nada o muito me fitava há tempos, no entanto a caolhice dos meus atos favoreceu a despresença desse fato.
Sim, eu era zarolha! E o ferrolho dos verbais, mesmo fincando as vestes num corpo ornado em frias calhas, finalmente destravou a tranca dos trepostos à correção e desfechou o desassombro da fala falada, escutada e silenciada, tudo num gesto só. Era a poesia dando sua cara ao abraço...
Então era isso! Estava sofrendo de disfunção lírica! No enlace que tive com o poema, ele me desaguou: “Isso é flerte de palavra que é canto, embora emboscada no recanto do nó, faz de pó os entraves que a prendem. A palavra é lavra de gestação fecunda, não importa o quão se afunda a boca que a detém, é mera e parca a mira do além, pois, num aquém, ela rodopia em florido campal, dando adeus àquele mural de solidão sem igual.”
Fiquei toda sabedosa dessa fábula que era a verdade mais verdadeira de todos os tempos, épocas e chuvas. Não só sofria dos sete sintomas da disfunção lírica como tive multiplicado por incontáveis setes o ritual do palavrar. A fala que eu era, robusta de achados e achismos, propunha a clareza dos meandros formais. Era a etiqueta cravada na boca de quem se indispunha com o prazer de ser verbo. Eu não era verbo, era ponto de frequência no serviço público; roupa passada e engomada, desajeitando a brincação verbal e poesial. Fui aclamada pelo verso e me deixei poema... daí, não teve mais jeito, verti jorrados de palavras, aceitando a inércia; explorando os mistérios irracionais; casando anomalias entre verbos e substantivos; incestando as palavras; amando a desimportância das coisas; cantando as asperezas pedrais e, o melhor – não sei se mais importante, mas o mais divertido! –, comparecendo aos próprios desencontros! Tudo isso multiplicado por muitas outras substancialidades poemais, verbais e corporais. Agora, eu era fala na boca de poeta!
Desses tempos que eu era sem sal, sem curvas ou declives, ainda me lembro, mas com poucas saudades. Toda fala que se preze tem rabicho com poesia, entretanto se esquece desse seu recanto. A fala se engambela em seu próprio atropelo e se torna gagá de pestes roucas, deixando a infância de sua queda para trás, nos esquecidos das lembranças. Porém, basta um susto para que a presença se apresente! De cabelos desgrenhados e roupas amarrotadas por sono mal dormido, a fala da poesia – aquela da infância de outrora, colorida de repiques florais, com versos saindo pelas ventas – vem à tona e se torna dona de sua real palavra. O poema que me cruzou os passos deixou-me ainda mais dentro de mim, com isso fiquei ainda mais no meu encalço para não mais me deixar sem mim.
Com as vistas apropriadas para o imprevisto, eu que era fala desdentada, agora me pus poema de faces variadas. Dou-me em cores, tintas, imagens e palavras. Há quem diga que isso é papo de suporte, mas não mais suporto certas favas, pois de mim que agora sei que sou muitas e várias, dou-me pronta até nos concertos de ataques ornados em tintas. E estar pronto é estar andante... e sempre!
Sou palavra escrita – tanto desenhada no grafismo dos alfabetos quanto nas incertas do pincel em tela, muro, chão, parede ou piolho –, sou fala que vigora no incontável dos instantes, sou rascunho que elabora horizontes, sou qualquer coisa aceita ou desaceita porque estou no antes e depois do depois e do antes. A perda de tempo que se perde comigo em elaborações fulcrais de títulos e constelações também está presente no meu amém. Seja doutor ou escultor, pisante de andrajos ou locutor das ordens dos dias, estou neles e em seus contrários. Sou fala-poesia-escrita-corpo, e estendo meus braços nos abraços a quem não pertenço, porque pertenço aos meus despertencimentos! E nessas andanças, topei com outro eu que assim me cogitou:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos

O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.[2]

A prosa da poesia é um amalgamado de gestos pungentes, cuja lírica prosaica se entretece com enlaces, namoros, sotaques, debates de uma prosódia irrestrita de labiais e consonantais. O poema me diz ser um romance cujo céu se deu em versos, e cujos versos se deram em mundos de ortofonias desusadas de correção, portanto, desortofonias! Porém não porque antagonizam, e sim porque se embrenham, se enfiam no dentro do som caudaloso e suculento do palavrar – que é canto e poema –, portanto, escrita e pintura, portanto, corpo de pele crua. O correto do som são galhos de linhas tortas, cujas rimas e métricas, parágrafos e acentuações, se perdem – ou se acham – no mesurado sem-fim do sol.

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior

Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se vento...[3]

Dão nomes e apelidos aos repetidos espasmos de coerência; são doenças bufônicas, estratosferas de vertigens preocupantes de conceitos. Depois que me encontrei no perdido – ou me perdi no meu achado – eu que era fala na boca de sem-dentes, agora me guarneço de despropósitos. Mas despropósitos necessários à vida de um verso, este que se extingue no depois de um sopro de aleluia.
Sou fala de poesia falada, cantada, grifada, grafada, ornamentada, desdenhada, desenhada, pré-ocupada, pintada nas quitandas dos mestiços esquivos de poentes, e disso me dou conta! Eu que era tola, agora sem querelas sou por elas – aquelas de paixão latente, porém bastante condescendentes –, as musas, de fato. Mitos, artefato de labor lingual, gestual ou mundal, são com elas que me percebo diferente, isto é, bastante presente no prelúdio dos meus dias, assim como no presságio das auroras.
Eu que era preocupada com grifes e composturas, agora ouço as desigualdades das árvores. Os poemas me trazem a mim o propósito de ser nada, com bastante afeto, e digo isso bem direto. Sou fala na poesia da canção, e me permito o erro de uma gramática que, quando bem usada, nada tem de redução. Para usá-la bem, é preciso perder o medo do confuso, ser com este o guardião do desuso ao qual o contínuo uso fez de regras e perfeições a referência de uma moção. A língua é minha casa, o Português o meu refrão, com ele penso, choro, amo, desfruto, gozo, sou todo eu e muito outro. Não posso temer as incongruências, não posso correr das regências, faço eu minha própria música, pois, esta sim, é escrita de perdição. Ser corpo, ser palavra, ser coisa jogada ao vento tal qual voo de pássaro em rasgação urânica: isso também é escrita, isso também é gramática, só que com outro nome, dada de outro jeito.
De tanto lirismo comedido me alimentei, sinto na pele a dificuldade de dizer “não” ao preciso e correto, mas me percebi farto dele. Como rogou a mim o poema que cruzou minha andança, “não quero mais saber do lirismo que não é libertação”! E libertação, percebi com o rascunho dos versos, é também assunção do golpe, salto no fundo da palavra, quando a estrutura do nome se funde, se confunde, na criação de invencível pronome. Sim, “olho e comovo-me”, me movo com o andante perdiz do verbo... sou fala na poesia e na escrita, pois sou rabisco e borrão, merda e palavrão. Quero a beleza do estrondo, o gosto do escarro, o oco do nervo que me faz gozar. Não quero mais nada que não seja a brincadeira de ser palavra, seja lá como a palavra for!
Esse foi acontecido daquele meu dito! Assim me fiz presente! De arrogante soco no lábio da palavra, agora sou beijo na nuca do amor. E sem “motivo” algum me despeço já no apreço de mais um verso, este que deságua e se multiplica em ouvidos e corações prementes:

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.[4]



[1] BARROS, Manoel de. “A disfunção”. In: Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, pp. 399-400.
[2] BANDEIRA, Manuel. “Poética”. In: Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 129.
[3] PESSOA, Fernando. “XIV”. In: O Eu profundo e os outros Eus: seleção poética. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 148.
[4] MEIRELES, Cecília. “Motivo”. In: Viagem – Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967, p. 9.


2 de abril de 2013

Disfunção lírica

Saiu a 31ª edição do periódico trimestral Labirinto Literário, e nela participo com o ensaio “Disfunção lírica”. Daí, convido-os a dividir sua leitura comigo!
Para quem se interessar, é possível receber as edições do LL por e-mail, inclusive o presente número. Para isso, basta se inscrever no site do Labirinto Literário.


27 de março de 2013

Ensaio sobre Virgílio de Lemos na Revista Gláuks


Foi ao ar ontem a Revista Gláuks, Volume 12, nº 2. Nessa edição, participo com o ensaio “O encorpar-se poético em Virgílio de Lemos”. A revista está disponível em http://www.revistaglauks.ufv.br/edicao/12/Vol12-N2--JULDEZ-2012.
Confiram!

14 de março de 2013

Um poema para Virgílio de Lemos

Um poema para meu amigo, o poeta moçambicano Virgílio de Lemos. Sua obra alimentou minha escrita, deu impulso às minhas letras. Com seus poemas, amadureci meu olhar para o mundo, num momento em que me debrucei sobre seus versos e, em diálogo, compus meu próprio horizonte. Obrigado, caro amigo!
Antes que se perguntem, esta não é uma postagem por homenagem fúnebre. O Virgílio está vivo, vivíssimo em corpo, alma, música e poesia. Se hoje tem a saúde fragilizada por conta da corrida cronológica que a todos têm; embora hospitalizado, sua verve não tem fim, sua canção continua forte no tempo do sem-igual.
A você, querido amigo, dou este poema e mando bons fluidos para que volte à urgência do caos dos dias:


Entre mar e ilha: poesia
Para meu amigo Virgílio de Lemos

Uma onda bate em meu mar,
nuas mãos percorrem meu olhar
diante do infinito anoitecer.

Para ser a língua que me habita
dou-me todo à sutileza e ferocidade da palavra,
sendo voz e gesto na criação,
anúncio em cor e pele de gestação.

Pela música e outonais bacantes,
sou todo lavra no labor dos versos:
anversos cingidos pelo sal do meu oriente,
pelo sol do meu poente.

Sou ilha em mar alado,
universo mítico na mística da canção;
uma composição dual,
uma dissonância que me retém,
deixando-me fértil para o além do imprevisto.

Sou poeta,
sou poesia nascente,
sou onda que bate em terra
na escrita de paisagem latente.

Um pintor de palavras,
cuja tela é o rascunho de um punho,
cuja obra é a errância dos silabais:
erotismos minerais de corpo pungente.

Sou ilha andante,
crepúsculo jamais findo,
pois do átimo de um meio-dia
me refaço inteiro pelo canto
dos outeiros da poesia.