9 de agosto de 2015

Proema

Ando com uma necessidade de palavras, uma pujança que me lança ao caos de margens criadas por fluência de rios. Nessa vertente aural, o córrego que se firma afirma a dúvida constante de uma luz que nunca finda. A cor do brilho paradoxalmente opaco guarda mistérios em seu nome. Ao pronunciá-lo, acho-me perdido no antro de veios telúricos, onde a agonia do que nunca se dirá conduz o olhar ao encontro dum fecundo espelho. Olho minha cara e me transvejo inquieto. O gosto do pôr do sol que me atravessa o peito agora é leito de cânticos. Nunca antes uma palavra me apalpara com tamanho vigor, com ondas calefantes, um ardor verdejante em que rios e mares se transmutam em florestas, e cujas labirínticas folhas acampam ao redor de minha boca. Tudo que digo se perde em redemoinhos... corpos amontoando-se uns aos outros numa fome profícua de arredores. Não há centro, o cume de um enredo é a palavra perdida num tempo ainda por nascer; e o corpo que rompe a glória de existências fertiliza em etéreos úteros o gérmen de futuros passados.

Atualização do dia 24 de janeiro de 2016:

Engraçado como são as coisas... esse título, “Proema”, estava na minha cabeça havia algum tempo e eu achei que realmente já o tinha lido ou ouvido em algum lugar, mas não lembrava onde... Passado um tempo, depois de discussões sobre os limites entre prosa e poesia em Mallarmé, Baudelaire, Paulo Leminski etc., fiz esse texto e o postei. Hoje, revendo o livro Toda poesia, do Leminski, ao preparar o cronograma do curso que vou dar, encontrei o lugar por onde eu já passara e ficara registrado em minha pele mnemônica. Abaixo segue o poema “Proema”, de Paulo Leminski:

Não há verso,
tudo é prosa,
passos de luz
num espelho,
verso, ilusão
de ótica,
verde,
o sinal vermelho.

Coisa
feita de brisa,
de mágoa
e de calmaria,
dentro
de um tal poema,
qual poesia
pousaria?

LEMINSKI, Paulo. “Proema”. In: Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 189.