25 de junho de 2007

Interpretação do poema “Eternidade”, de Jorge de Lima

Eternidade

Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.

Como foi isso?
Tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.

Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
Morrendo
Numa estrela.

Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara
Agora vê.


1º movimento: v.1-10
2º movimento: v.11-15
3º movimento: v.16-22


Sobre o título:

A eternidade é o tempo em pleno vigor sem estar atrelado a qualquer limitação. Tanto não há um ponto de partida quanto não há um de chegada, ou seja, é a plenitude mais radical do que se espraia no vazio quando o presente congrega tanto o passado quanto o futuro num mesmo ponto.
A eternidade, no caso do título deste poema, remete-nos à inclusão inevitável da vida na morte, uma vez que uma não se dissocia da outra. Estão e são juntas no seio do tempo como veremos no andamento da interpretação.

Movimentos do poema

Ao iniciarmos a leitura, já nos deparamos com um termo que pode ser problemático quando radicado na necessidade de se lhe adequar forma, função e finalidade: o “Ele”.
Quem é “Ele”? Quem é que se reviu? É o sujeito? Eu-lírico?
A priori, o termo escolhido para melhor definir este “Ele” é o eu lírico, segundo a corrente leitura poética academicamente firmada. Entretanto, este eu-lírico se põe na mesma posição de qualquer outra definição, isto é, seja a de autor, de poeta, ou mesmo do eu-lírico, todos esbarram num problema: o estabelecimento de uma certeza, de um saber que perpassará a leitura como meta a ser alcançada por uma definição do que ou de quem seja este “Ele”.
O “sucesso” de uma interpretação por nós alcançado seria o da proximidade, pois só o poeta sabe quem é este “Ele”. Podemos entender esta proximidade como o não-esvaziamento do poema em verborragias contextualizadas, isto é, o poema como obra de arte única, nunca se revelará por completo ao leitor. Haverá sempre um diálogo ungido pelo encobrir e descobrir do poema enquanto vida acontecendo. Simplificando, a leitura de um poema será sempre uma relação tensa em que, na interpretação, o vigor do entre (inter-) se manifestará como o não-dito que se diz enquanto silêncio e se cala enquanto fala.
Como caminho ou método de leitura aqui proposta, o “Ele” não terá definição ou conceito. Será a abertura que se plenifica na eternidade, pois dizer quem é este “Ele” seria partir de uma limitação que circunscreve o poema nos limites de teorias acadêmicas, uma vez que tudo aquilo que se diria análise seriam reafirmações catedráticas de repetições ecoantes nos corredores da tradição.
O poema não pergunta quem se reviu. Propõe um caminhar único que se singulariza no diálogo com o leitor quando a interpretação é o caminho pelo qual tanto o leitor quanto o poema se farão únicos na procura pela verdade. Posto que esta é aquilo que se revela (alétheia) na imersão da leitura.
Portanto, “Ele” é o próprio vigor da eternidade desatrelado da adequação de uma definição calcada em teorizações que encerram o poético em correntes literárias em vez de deixar a poesia acontecer.
Seguindo na leitura do primeiro movimento do poema, há a percepção da perda da materialidade como nos diz a primeira estrofe, ou seja, ao se rever, ocorre o espanto: momento em que há uma ruptura na linearidade imposta pelas sensações físico-corporais seguido do lançamento no aprofundamento do vazio originante. Todo este acontecimento nos é transmitido pelo uso de uma figura simples que passa corriqueiramente despercebida: os “dois pontos” (“:” v.1; v.7; v.11). Estes “dois pontos” suspendem o caminho habitual e inauguram uma nova percepção: o fim da linearidade convergente no corpo físico. Desta forma, o corpo não era mais fisicalidade, pois não existia como tal (matéria orgânica). E esta afirmativa é vista sob uma tripla ratificação, permitida pela conjunção com valor negativo: “nem”. Neste sentido, tal palavra nega a existência material e metafísica de um corpo normalmente afirmado tátil e visualmente, portanto, um “objeto” que produz sombra e culmina nas ruínas de tal existir (escombros, v.5). Assim, a morte é tratada como imersão na imensidão do vazio quando a palavra “irreal” se apresenta como além do que, segundo o senso comum e a corrente acepção semântica, é real também nos ditames comuns do cotidiano: o que é sólido (idéia comum do que seja concreto) e se presentifica materialmente.
A pergunta na segunda estrofe demonstra o espanto: Como foi isso? (v.6). A resposta vem com uma imagem que nos lança à perplexidade do acontecimento poético: um barco que bóia sem estar no mar. Assim sendo, imerso no nada, integrado à eternidade.
O corpo que antes se limitava à circunscrição presencial, agora habita a tensão entre morte e vida numa dinâmica infinda de não-dissociação.
No segundo movimento, o afastamento evidenciado na primeira estrofe, propiciado entre um sujeito que observa e um objeto que é observado (Ele reviu-se v.1) se esvai na medida em que um e outro são o mesmo. Há um sentido agora, quando sentido é tanto o caminho pelo qual se segue quanto a apropriação legítima do que é próprio de quem sente. Então, quebrada a dicotomia sujeito X objeto, há uma aproximação, um sentir; e, neste sentir, o ciclo recomeça.
Interessante notar na estrutura do poema que o verbo “recomeçar” (recomeçava v.12) dá conta de todo o resto da estrofe por trazer a circularidade em emergência. Os “dois pontos” ocupam o abismo que se estabelece entre o sentir e o recomeçar, dando ao leitor a sensação de breve sustentação que tende à queda como um objeto qualquer quando é lançado ao alto e segue seu percurso até que, num determinado momento, a velocidade cessa. Tal corpo pára no ar e logo começa a cair. Este momento em que o objeto pára nos diz o silêncio primordial de todas as coisas, a eternidade, daí que “Ele”, após se sentir, silencia-se, espanta-se, admira-se para que só assim possa recomeçar: viver em toda plenitude da morte.
Uma outra informação é que o verbo “viver” está no pretérito mais-que-perfeito, ou seja, está lançado no tempo e apontando um passado revisitado que se relaciona com o verbo “morrer” na forma gerundiva. Portanto, ressaltando o aspecto de continuidade, de permanência. Tal diálogo entre formas e estruturas verbais nos indica que a morte não só permeia como integra a anterioridade da vida.
Vivera / Morrendo / Numa estrela (v. 13-15) nos diz a intimidade entre vida e morte culminada no entre-alvorecer-anoitecer quando, assim como a estrela tanto se oculta quanto surge no céu do nosso olhar humano, a vida se oculta na morte e dela se manifesta. Este movimento pode ser até percebido formalmente pelo uso de letras maiúsculas no início de cada verso dos último três que compõem a terceira estrofe. Então, o viver e o morrer referenciados à (...) estrela (v.15) que se vela e se desvela indicam o recomeçar que habita a liminaridade de um existir. Ou seja, a eternidade se doando num período efêmero de existência do “Ele” enquanto carnalmente vivo.
A estrela, poeticamente, é o que surge no céu, perfurando a escuridão da noite. Esta escuridão é o não-saber, é o véu que cobre a verdade em sua mais profunda ligação com o real.
Ao surgir no céu, a estrela guia aquele que está perdido no silêncio imagético. Ela aponta, mas não dá o caminho, pois o caminhar é uma experiência única e individual desgarrada de rotas pré-determinadas.
Retomando o que já fora mencionado no segundo movimento do poema, o sentir é o ponto mais radical da tensão entre vida e morte. Logo, Ele sentiu-se (v.11) e se admirou (referência aos “dois pontos”), ouviu o silêncio e, da eternidade, recomeçou.
O terceiro movimento quebra o andamento do poema (visto apenas sob uma perspectiva estrutural) ao inserir uma pergunta que toma o lugar dos dois pontos, numa dimensão que se fixa na forma do poema. Prevalece uma sensação de maior certeza em que o espanto é consumado quando a resposta compreende o preenchimento de um perguntar.
Despido de uma vida metafísica, ou seja, de tudo que compusera sua existência entitária, portanto, do mundo no qual habitara, “Ele”, já sem ouvir e sem falar, encontrou-se quando, ao se cegar, voltou a enxergar. Noutras palavras, o tudo (v.18) é a razão que certificava uma vida sem morte, limitada pela possessividade caracterizante de seu singular contexto existente como parte social. ...tudo / que amara (v.18-19) são as lembranças que, embora passadas, insistiam em permanecerem presentes.
Olhos emudecidos, a razão tem seu fim quando a adequação entre uma verdade conceitual e sua afirmação se extingue. Então, a dor oriunda pela incerteza de um nome atribuído a uma coisa qualquer se finda quando tal necessidade é desfeita. Por isso, quando a cegueira obscurece a razão, “Ele” passa a ver. Contudo não é um ver orgânico, é uma escuta na medida em que escutar não é medir o som com os ouvidos, mas se abrir à experienciação da procura pelo que lhe é próprio.
Só estando cego da razão, isto é, livre da prisão metafísica do enquadramento terminológico (o senso comum prevalecendo para fins comunicacionais) é que a eternidade se plenifica e a morte deixa de significar o fim.
Ver é se lançar no infinito e integrar o Logos enquanto eternidade, enquanto um sem-fim de “lonjura” não distanciada. Daí que Agora vê (v.22) nos diz a libertação do cárcere orgânico do corpo quando a visão está limitada a funções regadas a sangue e atrelada ao arranjo do conjunto nevrálgico do sentido físico da visão. Ver não é medir com olhos, mas estar na luz em tensão com a escuridão. Assim sendo, descarnado de ...tudo / que amara (v.18-19) quando este “tudo” reflete o acúmulo diário de vivências alocadas na reificação das lembranças, na adequação das reminiscências aos fatos “embrulhados para presente”.
Tudo que “Ele” amou e ficou no passado é um entendimento da memória como retentora de imagens vividas e não como a verdade desvelada a partir do esquecimento, ou melhor, daquilo que se dá como realidade a partir do real. Memória como lembranças é o que antecede os “dois pontos” no corpo do poema, isto é, aquilo que está preso à materialidade.
Enfim, no último movimento, somem os dois pontos e entra o questionamento do que se perdeu (...despiu-se - v.16). É quando a memória deixa sua superficialidade conceitual e passa a revelar toda a dinâmica do tempo não-cronológico que se move na eternidade, numa imbricação não-hierarquizante (tempo/eternidade) que possibilita o ver-se como tempo infindo.

14 de junho de 2007

Mensagem ao nada (a gentileza do amor universal)

Ao meu amigo (O) Branco:

Anáforas gritantes pululam o céu sob o escorbuto sorridente do poeta. Por vasos pantanosos o sangue florifica horrores odoríficos de um jardim desplantado.
A terra tanto retrai quanto atrai o vagabundo mórfico de gramáticas espaciais críveis por quem habita o fora-além-escuro.
Imagens não permitidas rodeiam meu corpo em cirandas malditas de crianças decapitadas. O que será isto? A morte? Aí só a brancura explica acidamente o infortúnio da inspiração desabitada.
Por entre notas e violinos, a curva arrefece a dúvida e o frio passa a aquecer qualquer agasalho retículo-furuncular. O mesmo se repete incansavelmente em descaminhos poético-astronáuticos.
"O padre tá esmolando, o pastor tá pastando e o papa? O que que tá fazendo? Tá papando!"
E não-fim...

9 de junho de 2007

O que o isto não é?

Novidade!!! Agora o blog se irreverte também com exibição de curtas!!

Muito fácil é perguntar pelo que é isto: o que é isto? Quando isto nos diz alguma coisa de conceitual-aprisionado-no-quem-sabe-responde. Um afirmação total de toda reafirmação desejosa de ser desejada reafirmar o sol que se põe no oeste. Mas e se o sol não nascer? Então, onde acordará o dia?

O que não é o isto? O que não é toda resposta desperdiçada nas certezas efêmeras de um perguntar ingênuo? Qual a razão do dizer limitado entre dois fins? O que é o começo? O que não é o fim? O que o isto não é? O que é isto, o não-isto?

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