27 de julho de 2014

Convite ao pensar

Acaba de sair pela editora Tempo Brasileiro o livro Convite ao pensar. Sob organização dos professores Manuel Antônio de Castro (UFRJ), Igor Fagundes (UFRJ), Antônio Máximo Ferraz (UFPA) e Renata Tavares (UNESPAR), nasceu esse mosaico palavral, fecundado por poesia, filosofia, silêncio e gesto, do qual tenho a grande felicidade de participar como um dos ensaístas.


A ideia desse livro surgiu da necessidade de dar aos alunos – em princípio, de graduação, ainda que não esteja restrito ao âmbito acadêmico – a possibilidade de se infestar de verbo e acontecências semânticas para além do já desgastado sentido comum das palavras. Evidentemente, nada do que já se trabalha teoricamente nas instituições de ensino se exclui, contudo, a grande novidade está na linkagem entre o que se diz ou se pode dizer sobre ideias engessadas conceitualmente e o que advém do mergulho ao fundo vocabular das palavras, numa investida originária que procura o útero do verbo a partir da costura realizada pelos pequenos, mas densos, ensaios presentes neste Convite. Assim, este livro é engravidado pelo horizonte no qual se vê o avesso ambíguo, mas não dicotômico, das já tão batidas determinações dicionarizadas. Audacioso, infestado de circularidade, entradas, entrâncias e reentrâncias, a poesia da palavra se consagra numa rede fundada em 121 possibilidades de quedas e abismos.
Além da necessidade de dar aos alunos perdições por escrito, o grande estímulo para tal exaustivo trabalho partiu de Guimarães Rosa, quando, na famosa entrevista concedida a Günter Lorenz, proferiu: “Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente” (ROSA in LORENZ, 1973, p. 20). E mais adiante nessa mesma entrevista, temos um dizer fulcral e que foi usado como epígrafe do livro: “Cada palavra é, segundo sua essência, um poema.”
Acima mencionei 121 possibilidades abismais. Mas qual mistério por trás desse número, 121? Arrisco um palpite: autonomia de voo na e com a linguagem durante a grafia encantada pelo poético! Sim, 121, não 122 nem 456. São 121 palavras que foram criteriosamente selecionadas para integrar este livro:

O leitor tem em mãos um livro constituído por um conteúdo aparentemente estranho: 121 palavras, às quais correspondem 121 pequenos ensaios de, no máximo, duas páginas. Não se trata de um dicionário, pois não se reduz a um mero levantamento de significados. O que é, então, ou melhor, o que pretende ser este livro? A tal pergunta responde seu título: um Convite ao pensar. Desse modo, não pretende introduzir nada, pois o pensar não depende de introdução. Vivendo, já nos movemos no pensar. Por ele, no questionar, vigoramos.[1]

O trecho acima foi retirado da apresentação do livro, na qual, mais à frente, encontramos:

Procurou-se em cada palavra estabelecer uma dialética, na qual nada se exclui, muito embora se desconfie dos significados dominantes e engessados. Dessa maneira, todas as palavras se interligam e procuram estabelecer um círculo poético de abertura para se compreender melhor o que somos e nos cerca histórica e conjunturalmente. A ligação entre elas dependerá do interesse do leitor, o que será ajudado pelo Índice Remissivo e pelas indicações bibliográficas. Estas têm a finalidade de permitir o aprofundamento das questões.

Quanto à construção, organização interna do livro, o mosaico se estende à diversidade do pensamento encontrado nos 16 autores que escreveram os pequenos ensaios que integram essa rede de 121 palavras:

propusemos o presente livro, convidando diferentes autores para pensarem a poética de cada palavra, contrapondo-a com seu uso banal, cotidiano, desgastado, e resgatando suas possibilidades de inaugurarem sempre novas e poéticas realizações. Assim como os autores se viram livres para dialogar conosco no pensar de cada palavra que lhes coube, os leitores também estarão livres para questionar e que, no diálogo com todas, entrevejam em si as possibilidades que já receberam para se realizarem, de maneira que a vida de cada um se torne um autopoema.

Portanto, não foi erigido apenas um livro teórico, e sim um rearranjo léxico que desempoeira a estabilidade vocabulatória do nosso idioma. As palavras são saltos, fecundações aurais, aórgicas e orgíacas entre realidades que desempenham limites e florações semânticas. O convite está aberto a todos, que sejam bem-vindos!

Referências

CASTRO, Manuel Antônio de et al. (orgs.). Convite ao pensar. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014.
LORENZ, Günter. “Guimarães Rosa”. Diálogo com a América Latina. São Paulo: E.P.U., 1973.




[1] Daqui em diante, todas as citações foram retiradas do texto de apresentação do livro.