alguém por favor compre uma vassoura desse carro de vassouras com vassouras piaçavas a cinco reais e de pelos a seis reais que não sai da minha rua que não me deixa pensar em outra frase que não seja vassoura piaçava a cinco reais e de pelos a seis reais que não me deixa escrever minha tese ou decidir o que vou comer que não seja vassoura piaçava a cinco reais e de pelos a seis reais que me faz querer nunca mais varrer minha casa que me causa horror só de pensar em piaçavas e que porra é essa de piaçava que nasceu só para se fazer a vassoura do carro de vassouras que não sai da minha rua com vassouras piaçavas a cinco reais e de pelos a seis reais um dia quando eu crescer eu quero ser uma vassoura piaçava de cinco reais e se de repente eu me der bem na vida consigo chegar a uma vassoura de pelos a seis reais do carro de vassouras com vassouras piaçavas a cinco reais e de pelos a seis reais que não sai da minha rua
29 de julho de 2017
21 de julho de 2017
raízes
por se romper o chão desde os nervos das manhãs por se querer
um horizonte ruindo nos cabelos encrespados da melancolia por se
desejar o gosto encorpado de deus
resgatam-se as vozes guardadas no peito do silêncio por
se burlar os baques das traves em minhas costelas rejo
rumo a terra a sinfônica angular das raízes por se alimentar
o céu mais que o ventre por se beijar o rosto
das avenças numa disputa ergo
os dedos para a alvorada e desenho o cansaço
das flores nas falhas do teto por se ruminar
o vestígio dos lábios por se levar o destino dos fatos
em procissão deixo o vento lamber a força oculta das patas
enterradas no barro de onde tive moldados
meus castelos ósseos por se calarem as pedras
plantadas no refluxo do tombo por se andarem
os galhos na verticalidade do prumo
devolvo os ombros ao luto no incansável espanto
por se inventar a fuga das mãos
de onde não posso agarrar
fábio pessanha
11 de julho de 2017
Entrevista no programa Os Descabelados, na Rádio Revolução FM (Instituto Nise da Silveira)
dez de julho de 2017. hoje a manhã foi
para se descabelar. hoje a ordem foi perder o eixo dos penteados rijos, quebrar
o sentido farto de mesmices. hoje estivemos juntos – poetas, músicos, pessoas
de almas largas – numa manhã que celebrou a diversidade, a arte, o apropriar-se
daquilo que inevitavelmente somos. hoje um início para outros devires, outros
cantares, outros sonhares floresceu, pois é o que acontece quando aqueles que
acreditam em poesia, que percebem o mundo – para além dos rígidos ditames conceituais
– se reúnem. hoje o paradoxo ganhou vez. assim: de dentro do instituto
municipal nise da silveira – cujas paredes são cheias de dores, cujas celas
ainda guardam cenas de horrores, cujas pesadas lembranças ainda se encarceram
no cinza das paredes – a rádio revolução fm provocou luzes, aqueceu o cinza num
luzir iridescente quando, ao se iniciar o programa Os Descabelados, um novo
mundo se ergueu. no espaço de uma pequena salinha, os limites físicos se
redimensionaram para além: celebrou-se a vida, o afeto, as trocas, o diálogo;
fomentou-se amores, alargaram-se horizontes para o inesperado de um trançado de
palavras, estas que nasceram – e continuam nascendo – carregadas de porvir.
claro, isso tudo hoje foi possível porque um dia uma mulher acreditou que a
realidade é muito mais do que isso que se vê no rente dos olhos. nise da
silveira deixou um legado que ainda se cumpre, que se espraia no peito
acolhedor de abraços onde o sentido do real como aquilo que incessantemente
nasce e provoca realidades é insistentemente revisto, renascido, revivido.
então, só me resta agradecer aos queridos kátia pires chagas e bruno black pelo
trabalho colossal que realizam e por darem continuidade a esse patrimônio
humano plantado em solo há algum tempo tido como infértil, contudo, que mesmo
aos trancos e barrancos vêm mostrando desde o trabalho da nise que a
fertilidade está no olhar de quem se doa à própria queda. só posso agradecer
pelo convite a mim feito de poder viver essa experiência mágica numa manhã de
segunda-feira com tantos outros corações repletos de infinitudes. um trabalho
como esses não é fácil. mas se
continuar a ser feito com a imensidão da força que eles têm – kátia, bruno e
quem mais for responsável por botar o programa no ar –, não há dúvidas de que
naquele espaço o mundo sempre se renovará pela alegria do que não se pode tocar
ou mensurar, mas que aquece a alma de quem se lança ao sentido abismal de ser.
sejamos! gratidão!
para quem quiser assistir o que rolou na rádio, é só clicar nos links para a ENTREVISTA SOBRE MEU LIVRO e para o PROGRAMA NA ÍNTEGRA
2 de julho de 2017
fosse luz...
fosse luz o andar me deixasse atônito
desde as surpresas desde o contraste o amargo leito dentre os solfejos fosse o
sol em casas invadindo frestas reluzindo cantos fosse agora tão quanto nunca
quente o beijo largado na boca aos domínios do hábito quando estradas dessem no
intercâmbio sonoro dos braços os afagos dos fachos lunares na borda esquerda
das ilhas que se dissessem o azul eu afogaria o mar em suas próprias ondas
deixaria o céu repleto de janelas para em cada uma delas aportar os cotovelos e
descansar o peso de noites afiveladas ao concerto acústico dos dentes durante a
epifania das falas
fosse o brinde aquele lance esquálido
entre seios fartos ante o gracejo amanhecido nas pontas dos dedos entre os vãos
das costelas dentro da vontade de se fazer granizos na tarde em que eu desse
parabéns por seus anos de vida que deus te abençoe e te guarde amém sempre não
se esquecendo de perceber se as portas estão trancadas que o dia começa às
cinco e meia da manhã depois de um café engolido junto ao pão esquecido na mesa
recheado pela vontade de uma manteiga mais derretida
que os corações enamorados em dias de
partida quando aí já não se calam os laços de despedida entre lágrimas entre
raios luminosos a luz brilhando no metal do ônibus que partiu de pedaços
infinitos a outros pequenos e agudos gestos com destino impresso nas costas de
quem me deu o passaporte para perto do acorde dissonante embebido nas ruelas
que vão da nuca à vértebra que cisma na envergadura da chegada que é sempre vã
que é sempre longa a espera numa caminhada que é sempre fim que é outono
lançado entre folhas entre as cascas das mansidões deixadas ao acaso em mansões
onde a porta abre o osso exposto na contramão da via que é sempre queda que é a
cena da moeda dada ao moribundo
fábio pessanha
Poema deixado na exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro
A palavra, esta marca
amarga, aquela ponte larga entre o
silêncio – o turvo enredo ao meio – e
a crise ruidosa da fala – da
grafia envenenada no papel – o
grito encrespado no vocábulo.
Palavra
de todos os nós
a que nunca desata.
Fábio Pessanha
CORPOemado X: escuta
escuta a voz que te chama
ao peito, pergunta à
palavra que te invoca qual
porta desce ao leito, qual
falha ante o efeito
hipocondríaco do
que te come do
que te arrasa o rim do
que te alarga a fronte
corrupta ao descompasso das
pernas que te carregam ao
lírio baço do teu queixo.
escuta, canta
o grito atonal do apelo. deixa
perdurar o abraço que te afeta
impreciso. finge
o rosto em tuas
mãos, sente
cada curva, cada
dúvida.
espera a fala, deixa
a palavra se erguer ante
a boca. carrega
nos ombros o peso
veloz do lábio, infringe
o céu no gosto
surdo dos braços e
escuta.
fábio pessanha
Crítica poemática: Arrival – (A Chegada) –, de Denis Villeneuve
eu sou a primeira vez de um caminho já
trilhado.
eu sou a primeira vez do que ainda não
houve primeira vez,
do que é sempre a primeira vez.
linhas se encontram nos desencontros mnemônicos
quando tempo traduz língua ante
a fonte retilínea dos fatos.
“a chave para o estabelecimento de
qualquer
cultura é
a língua”
não há só fatos. história não é
sucessão.
ainda quando se contrapõe:
“a chave
para o estabelecimento de uma
cultura é
a ciência”
quem sabe,
escombros perdidos nos achados do que é
antes e agora.
quem sabe,
qualquer sucessão possa ser
uma concepção tardia de esquadros
passantes:
o que se vive no que se viveu e se
viverá.
memória laços traços tranças linguagem
que se presenteia em língua, em
várias
muitas
todas
as que não são nunca
e se atropelam no ainda.
eu sou a primeira vez de uma palavra
que cisma em me nascer.
as voltas do seu tempo desencadeiam
presságios.
verbos destinam imagem
versos conjugam memória
o agora,
um andamento múltiplo
que é para nunca e sempre.
fábio pessanha
Angústia (CORPOemado IX)
preservar o peso da palavra a extensão
do brio
durante a onda que leva o pedaço mordido
e frio do fruto à saliva de quem me
empresta
os dentes guardar o peso da ausência de
um coração que bate noutro peito
sequer querência um jeito uma
frase um leito que se quer sempre
quente nunca ausente da força
do voo do lance do arremesso
pela janela daquele corpo daquele pouco
aperto a contragosto aquele gesto
aquele rosto
em tantas feições tatuadas
arquipélagos dentre muitos outros
fora entre muitos poucos ardentes risos
numa face numa expressão que não
existe que não dorme no enlace
entre coxas entre orquestras
múrmuras que não descansa que usa pernas
alheias em corridas que não são suas que
querem chegar
sempre querem chegar e nunca chegam não
podem
não conseguem
deixam a esmo a antipatia em
largos olhos em fartos ventres em cuja
cara
se faz ninho a saída o adeus o tchau
o fôlego some o arfar adentra o ar resfria
em respiração que não é sua que não é
minha
antes fosse quem me dera um lenço quem
sabe
um imenso atalho para onde se pode rir
bem alto
para onde se poder ir a um assalto bem-sucedido
onde se pode querer sempre querer mais
e nada a menos onde não haja lago para
saltos
sequer vertigens para altos partos e não
nascer
seja um desejo
Fábio Santana Pessanha
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2017
futuro
retrocesso de mim
minha extinção
quando
não estou no que olho
não me sinto no que vejo
se
meus passos me contradizem
trago no peito o paradoxo
largas
são as curvas que me levam
distintas as voltas que me trazem
hoje
um passado reside em minha fronte
dando as mãos ao que defendo
paro
em rouco silêncio
num movimento que me berra
Fábio Santana Pessanha
sempre muda alguma coisa...
sempre muda alguma coisa
sempre são outras pessoas
somos muito diversos e nunca
somos todos convexos e sempre
a gente se perde exatamente nisso que a
gente é
a gente consegue ser a imagem do espelho
dar as mãos a estranhos ir pra cama com
avessos
a gente sempre se concentra nisso que a
gente não é
algo estranho acontece no peito de quem
se olha
algo diferente se desenrola na cara de
quem se vê
toda piscadela registra um ato falho da
pálpebra
o que a gente enxerga foge do alcance do
tapa
Fábio Pessanha
Carta para o coração (CORPOemado VII)
Fosse isso quase, dantes fosse curva, em
que fora o cravo dentro em laço pouco fluido. Um vintém, quem sabe, ninguém além
de um misto parco desse corpo inconformado. Um segredo. Quem, porém, não dissesse
quando desde muito quase enquanto isto que se diz já se foi, e pronto. Um
recado. Uma notícia que se queira dar. Um bocado. Um trocado para garantir
migalhas. Mil navalhas na língua de quem não se cala, que traz no sangue
jorrado a história de uma morte descabida. Gotas caídas num círculo contorcido a
pés inchados. Uma sola. Solavanco instado a dedos. Arremedos em circuito
côncavo para concertos trítonos. Chão. Marcas circundadas à lama pelo dejeto
engastado em orifício pouco cônico. Nos mapas de suas veias um destino se fez
vermelho. Interrompido. A flama dessas dores uma vez mais em arredores férteis
d’escambos. Pinta a melancolia de uma rua escura à procura da lamparina incandescida
a vácuo. Modernidade diz respeito à luz antes do clique, ao lenço antes do
adeus, ao esporro antes do gozo. Uma carta se dirige ao peito de quem não a
recebe. Nunca receberá. Porque já não é. Nunca foi. Instante. O rápido atropelo
da canção a gagos leitos. Não há cama que fique arrumada. Nem sou romântico.
Quando muito.
Fábio Santana Pessanha
MicroEnsaioPoético: Manoel de Barros
Realizo a metáfora da fome.
Meu corpo é pão e água à espera de
colheita.
Uma brisa cinzenta ocupa o instante
de quando o céu de azul se tinge
e o sol decresce às águas,
guiado pela cor de abelhas
ante o som novembral das confidências
segredadas ao meu olho.
Imagens moram baças.
De tanta luz desfeita, úteros
se ocultaram em nascimentos fúlgidos.
A densidade do choque se equilibra
pela transparência do estômago, no soco.
Minhas ventas têm mania de seguir o
zênite
aos sonoros acordes quando dezembram.
Meu olho vai... deita-se largo em camas
cegas,
carrega o rumor do tempo em asas feito
flechas
desde o ritmo cadente do disparo ante o
bravo
amparo do colo, despido em carne, caule
e flor.
O murmúrio me alarga e se alastra pelo
dorso
até o liquefeito azul de deus. Entes
voantes
polinizam os sussurros, cravam dentes
nos pés
erguidos aos muros de escanteios
visuais
para, num sono de metáforas
desguarnecidas,
meu olho ouvir o cântico outonal de vozes
fontes
e servir de plantio ao gosto da terra
incrustado no desejo de ser horizonte.
Fábio Santana Pessanha
Referência:
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 285.
MicroEnsaioPoético: Ana Cristina Cesar
... desde o perder-se,
o poema é vital. Alongam-se os veios de uma repentina metáfora inventada para
se estar com ele, para se desmedir, esquecer suas réguas... Um poema... uma
fisionomia deitada ao longo dos desvios, um ser entrecortado dentro do limite
forjado entre alívio e apelo.
Um risco seus versos me
comporem... um alongar-se das minhas vistas ao seu corpo, poema... andor onde
se penduram vestes trancafiadas na aparência da pele. Seu nome esvazia as
chispas geradas por laços encrespados. Seu nome me agarra pelas ancas e me
eleva ao céu, cujas estrelas desfazem brios nas minhas quedas... e me perco
dentro de suas dúvidas... tudo que toco, cada verso, cada letra ou sinfonia
aural é parte do que me depreende translúcido, poema...
... não sei mais o que
não seja corpo... ante tua certa imprecisão, ponho os dentes no que minha fome
alcança, lanço aos ventos o ritmo das dores em repetição agônica de lâminas;
flores cortantes por cujo talho reconheço o mundo. Esse mundo, poema, que me
descabela por dentro; esse do qual não vejo saída a não ser pelo verso que nasce
do sangue de minhas gengivas.
Fábio Santana Pessanha
CORPOemado VI: sêmen
Pessoas fluidas
andam descalças. Dominam o espaço no
lugar onde passos são arpejos bem-aventurados para saltos e titanomaquias.
Pessoas fluidas
não fodem no escuro. Dormem compondo
sinas. Fazem liturgias entre Deus e Diabo. Gozam com eles.
Pessoas fluidas
acordam sonhos inatingíveis. Tatuam cor
no peito luminoso da metafonia. Dizem:
“a voz me enrubesce no silêncio”.
Pessoas fluidas
se alimentam de sêmen. Brotam lírios
derramando céu nos corpos curvilíneos. Recompõem metáforas.
Fábio Santana Pessanha
Assinar:
Postagens (Atom)