MicroEnsaioPoético:
Platão
Tudo que se apruma em
declive, pondo-se à deriva de ponderados leitos, cai. Imerge na bravura escura
de uma queda; vai ao encontro do profundo estranhamento epitelial, quando a
carnadura do toque reveste o espaço ambíguo do que existe e é corpo.
Tudo que enverga uma sapiência,
que habita a morada fronteiriça entre o vivido e o postulado; isso que não tem
sangue, mas pulsa na história não linear do gesto, tem profundidade e é corpo.
Corpo não é carne,
apenas. Não apodrece, não deixa resto por onde passa. Mas é rastro quando
sempre recomeça porque é princípio infindo em morte eterna. Corpo, quem sabe, é
uma integração. Uma unidade dual – não opositiva, e sim ambígua –, poliunívoca
na querência do que antecede o afeto, porque é antes e depois do afago.
Contudo, é no durante que reverdece, que abre fundos à profecia de asas em voo.
Deita. Seu peso é sua
existência. Atravessa margens, e atravessar quer dizer rasgar, trazer consigo,
no rasgo, a experiência do que lhe tangeu, iridesceu e compôs passagem. Atravessar
não é só ir de um lado ao outro, mas também trazer no lado a que se chega todo
o futuro guardado em seu passado caminhante. O corpo é tempo. Presente
constante nas possibilidades do que foi e será. Memória.
Tudo que é da espécie
do corpo tem profundidade e é memória. Para além das mnemônicas imagens,
memória é isso que abre; que excede e se consagra no circuito poético do verbo,
quando poético diz o que se cria, alarga e se exerce, mas sem ponto de partida,
tampouco de chegada. Sem um alguém que destrave seu ritmo porque qualquer
alguém é, previamente, um ato criativo nascido antes de seu parto.
Um alguém é um lugar.
Um imprevisto espaço donde se chega e para onde se vai isso que não tem nome,
mas tem profundidade e é corpo.
Fábio Santana Pessanha
Referência
da citação (imagem)
PLATÃO. Timeu-Crítias.
Tradução do grego, introdução e notas de Rodolfo Lopes. Coimbra: Centro de
Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011, p. 140.
2 comentários:
Isso que se estende para além de todos é o corpo uno em uníssono sono.
:)
Para antes e depois do sono, durante as alamedas dos sonhos, Dani, o corpo é, quem sabe, um rasgo concreto na infinitude abstrata das mãos.
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