Texto originalmente publicado em:
Há poucos dias, acordei
com estes versos do Manoel de Barros repetidamente em meus ouvidos:
Porque a gente também sabia que
só os absurdos
enriquecem a poesia.
(2010, p. 450)
Daí, comecei a pensar que
todo poeta é sua palavra, levando-o a diferentes existências. Afinal, existir
não é só ocupar espaço no planeta, aumentar a fila da padaria ou encher o
ônibus na hora do rush. Acredito que
o existir é múltiplo, simultâneo, colorido, impreciso, e por aí vai... O
existir não cabe no seu próprio verbo.
A palavra é matéria de
existências. Em seu voo se compreendem vidas, em seus pés se constroem caminhos
para cujos fins não há meios. A palavra se engravida de linguagem, tornando-se
a prole do poético. Em seu peito figuram margens, descaminhos para horizontes.
Todo poeta se pergunta:
como chegar à poesia? Como ser o meio de todo caminho, na medida em que o ritmo
da palavra se compraz em silêncio? Quando parar de cair, se todo ver(-se) é um
salto?
Poetas querem ocupar a
latência do verbo, inscrever-se nos raios do sol quando este se põe em
rascunhos de imaginação, perceber-se enquanto errâncias e (se) atravessar (com)
os caminhos apresentados ao destino de suas dúvidas... No final das contas, todos
são (e somos!) completamente pés e calcanhares...
Estar num poema é passear
de mãos dadas com o absurdo, fazer amor com o amanhecer e entardecer com um dia
nublado... Um poema é sempre um risco para quem se aventura nas esquinas de
seus versos, e não tem essa de tema. Não existe poema social, existencial,
hermético, monocromático etc... Há, isto sim, o poema e as leituras, e cada
corpo poemático encontra o seu abraço... Sempre há um abraço nascido para cada
um de nós, e quando o encontramos, realizamos uma leitura. Portanto, não podemos
nos enganar com essa ideia de decifrar poemas ou de querer saber o que o poeta
quis dizer! Entrar na cabeça do poeta é função de médium – e mesmo assim, fadada
ao fracasso! O poema só requer seu abraço e, no cruzamento dos braços, quando
os corpos se encontram nessa unidade ambígua chamada interpretação, um mundo
acontece e a realidade se realiza como jamais acontecera.
A poesia enriquecida de
absurdos monumenta tudo que está fora de esquadro, dá vazão ao riso preso por
nomenclaturas. Independente de tamanho ou formato, um poema é uma concentração
de porvires. É inefável ao paladar de razoabilidades, mandando às favas toda a arquitetura
de cabrestos que tenta reter a poesia em determinada denominação. E aqui
precisamos nos lembrar de Leminski, quando diz que poeta não é só quem escreve
poemas, e sim todo aquele que se aquece com um verso. Só pra ninguém dizer que
estou mentindo: “Poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem
sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um
verso” (2012, p. 132-3). E com palavra de poeta a gente não discute, quando
muito, desconfia e se irradia em outras direções porque, insistindo, nenhum
poema é manual de instruções. Poemas são caminhos para nossos descaminhos.
Errar é a condição de
existência da palavra. Então, se estamos aqui compartilhando desse tecido de
inconstâncias palavrais – e curtimos! –, somos poetas e, consequentemente,
somos palavras. Posso ainda arriscar um improviso e dizer que um poema é um
salto cuja queda é infinita, e nos encontramos no meio do caminho dessa eternidade...
que sejamos sempre um recomeço...
Referências
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
LEMINSKI, Paulo. Ensaios e
anseios crípticos. 2ª ed. ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.
2 comentários:
poeta quem lê.
ha tempos nao venho aqui.
Seu descortinar e estimulante...
Obrigada!
Daniele, que bom te ver por aqui!!! Eu que agradeço por sua leitura e comentário... Poxa, fico muito feliz que tenha gostado do que escrevi... é sempre feito de corpo-e-alma abertos... Obrigado!
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