10 de setembro de 2015

O poeta existe na escultura das palavras

Texto originalmente publicado em: 

Há poucos dias, acordei com estes versos do Manoel de Barros repetidamente em meus ouvidos:

Porque a gente também sabia que só os absurdos
enriquecem a poesia.
(2010, p. 450)

Daí, comecei a pensar que todo poeta é sua palavra, levando-o a diferentes existências. Afinal, existir não é só ocupar espaço no planeta, aumentar a fila da padaria ou encher o ônibus na hora do rush. Acredito que o existir é múltiplo, simultâneo, colorido, impreciso, e por aí vai... O existir não cabe no seu próprio verbo.
A palavra é matéria de existências. Em seu voo se compreendem vidas, em seus pés se constroem caminhos para cujos fins não há meios. A palavra se engravida de linguagem, tornando-se a prole do poético. Em seu peito figuram margens, descaminhos para horizontes.
Todo poeta se pergunta: como chegar à poesia? Como ser o meio de todo caminho, na medida em que o ritmo da palavra se compraz em silêncio? Quando parar de cair, se todo ver(-se) é um salto?
Poetas querem ocupar a latência do verbo, inscrever-se nos raios do sol quando este se põe em rascunhos de imaginação, perceber-se enquanto errâncias e (se) atravessar (com) os caminhos apresentados ao destino de suas dúvidas... No final das contas, todos são (e somos!) completamente pés e calcanhares...
Estar num poema é passear de mãos dadas com o absurdo, fazer amor com o amanhecer e entardecer com um dia nublado... Um poema é sempre um risco para quem se aventura nas esquinas de seus versos, e não tem essa de tema. Não existe poema social, existencial, hermético, monocromático etc... Há, isto sim, o poema e as leituras, e cada corpo poemático encontra o seu abraço... Sempre há um abraço nascido para cada um de nós, e quando o encontramos, realizamos uma leitura. Portanto, não podemos nos enganar com essa ideia de decifrar poemas ou de querer saber o que o poeta quis dizer! Entrar na cabeça do poeta é função de médium – e mesmo assim, fadada ao fracasso! O poema só requer seu abraço e, no cruzamento dos braços, quando os corpos se encontram nessa unidade ambígua chamada interpretação, um mundo acontece e a realidade se realiza como jamais acontecera.
A poesia enriquecida de absurdos monumenta tudo que está fora de esquadro, dá vazão ao riso preso por nomenclaturas. Independente de tamanho ou formato, um poema é uma concentração de porvires. É inefável ao paladar de razoabilidades, mandando às favas toda a arquitetura de cabrestos que tenta reter a poesia em determinada denominação. E aqui precisamos nos lembrar de Leminski, quando diz que poeta não é só quem escreve poemas, e sim todo aquele que se aquece com um verso. Só pra ninguém dizer que estou mentindo: “Poeta não é só quem faz poesia. É também quem tem sensibilidade para entender e curtir poesia. Mesmo que nunca tenha arriscado um verso” (2012, p. 132-3). E com palavra de poeta a gente não discute, quando muito, desconfia e se irradia em outras direções porque, insistindo, nenhum poema é manual de instruções. Poemas são caminhos para nossos descaminhos.
Errar é a condição de existência da palavra. Então, se estamos aqui compartilhando desse tecido de inconstâncias palavrais – e curtimos! –, somos poetas e, consequentemente, somos palavras. Posso ainda arriscar um improviso e dizer que um poema é um salto cuja queda é infinita, e nos encontramos no meio do caminho dessa eternidade... que sejamos sempre um recomeço...

Referências

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.

LEMINSKI, Paulo. Ensaios e anseios crípticos. 2ª ed. ampliada. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.

2 comentários:

Daniele Negreiros disse...

poeta quem lê.
ha tempos nao venho aqui.
Seu descortinar e estimulante...
Obrigada!

Fábio Santana Pessanha disse...

Daniele, que bom te ver por aqui!!! Eu que agradeço por sua leitura e comentário... Poxa, fico muito feliz que tenha gostado do que escrevi... é sempre feito de corpo-e-alma abertos... Obrigado!