Ando com uma necessidade de palavras,
uma pujança que me lança ao caos de margens criadas por fluência de rios. Nessa
vertente aural, o córrego que se firma afirma a dúvida constante de uma luz que
nunca finda. A cor do brilho paradoxalmente opaco guarda mistérios em seu nome.
Ao pronunciá-lo, acho-me perdido no antro de veios telúricos, onde a agonia do
que nunca se dirá conduz o olhar ao encontro dum fecundo espelho. Olho minha
cara e me transvejo inquieto. O gosto do pôr do sol que me atravessa o peito
agora é leito de cânticos. Nunca antes uma palavra me apalpara com tamanho
vigor, com ondas calefantes, um ardor verdejante em que rios e mares se
transmutam em florestas, e cujas labirínticas folhas acampam ao redor de minha
boca. Tudo que digo se perde em redemoinhos... corpos amontoando-se uns aos
outros numa fome profícua de arredores. Não há centro, o cume de um enredo é a
palavra perdida num tempo ainda por nascer; e o corpo que rompe a glória de
existências fertiliza em etéreos úteros o gérmen de futuros passados.
Atualização do dia 24 de janeiro de 2016:
Engraçado
como são as coisas... esse título, “Proema”, estava na minha cabeça havia algum
tempo e eu achei que realmente já o tinha lido ou ouvido em algum lugar, mas
não lembrava onde... Passado um tempo, depois de discussões sobre os limites
entre prosa e poesia em Mallarmé, Baudelaire, Paulo Leminski etc., fiz esse
texto e o postei. Hoje, revendo o livro Toda poesia, do Leminski, ao
preparar o cronograma do curso que vou dar, encontrei o lugar por onde eu já
passara e ficara registrado em minha pele mnemônica. Abaixo segue o poema “Proema”,
de Paulo Leminski:
Não há verso,
tudo é prosa,
passos de luz
num espelho,
verso, ilusão
de ótica,
verde,
o sinal vermelho.
Coisa
feita de brisa,
de mágoa
e de calmaria,
dentro
de um tal poema,
qual poesia
pousaria?
LEMINSKI, Paulo. “Proema”. In: Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 189.
Não há verso,
tudo é prosa,
passos de luz
num espelho,
verso, ilusão
de ótica,
verde,
o sinal vermelho.
Coisa
feita de brisa,
de mágoa
e de calmaria,
dentro
de um tal poema,
qual poesia
pousaria?
LEMINSKI, Paulo. “Proema”. In: Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 189.
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