Um poema, comumente, é visto sob a sombra dos conceitos, além de a ele serem atribuídos julgamentos e predicações. Ajuizar um poema é colocá-lo no plano do verbo ser como mero e vazio verbo de ligação. Ou seja, é achar que um poema é isso ou é aquilo. Mas afirmo: um poema não é, opera! E só neste operar é que tal obra é!
Dizer que um poema é, significa relegá-lo ao plano do ente, pois todo ente é à medida que realiza uma realidade do real. Desta maneira, o ente aponta para as realizações do real e o real aponta para o Ser. Ser não como um verbo de ligação, mas como a abertura às questões, como horizonte inalcançável, posto que seja o caminho do originário, o vigor da tensão ser-não-sendo. Então, um poema é a própria vida em andamento, é o agir do homem no vigor de sua liminaridade, é poiesis! À poesia não cabem definições, aparatos técnicos ou avaliações que ocupam a superficialidade das adjetivações. A poesia é o próprio acontecimento do homem como mundo, como vida.
Criar um poema não é se isolar do convívio social e dar vazão a codificações tangentes ao sentimentalismo simplório, muito pelo contrário: é estar efetivamente em contato com a terra, com o próximo, com a vida, com o mundo. Pois poetar é operar, pôr-se em contato com o infinito e dialogar; é adentrar a tensão da interpretação quando esta é o caminho para o original, à proporção em que se dá como originária.
Quanto à linguagem, vivemos nela e para ela. A impossibilidade de um afastamento se configura pelo simples saber de que ela nos antecede e dela somos realizados. Mais uma vez, diferente do que vemos por aí, a linguagem não suporta ocupar as limitações dos conceitos. Isto é, não é em aulas de Lingüística que aprendemos sobre a linguagem. Até porque aí já se mostra uma série de equívocos primordiais, mas que me limito a alguns poucos neste momento: primeiro, não aprendemos a linguagem num contexto estabelecido pela relação de esclarecimento a algo que antes era desconhecido e passou ao espaço do esclarecimento, num movimento de preenchimento do que antes não se tinha conhecimento; segundo, não falamos ou raciocinamos sobre a linguagem: falamos e pensamos linguagem! A preposição "sobre" indica meio como forma de instrumentalização, refere-se a escolher um caminho dentre muitos, desconhecendo o que Heráclito de Éfeso diz em seu fragmento 50: Auscultando não a mim mas o logos, é sábio concordar que tudo é um. Noutras palavras, é dar a um determinado caminho a superação de todos os outros ao colocá-lo como único por meio da exclusão dos demais. Portanto, poetar é ser a linguagem em seu acontecimento, quando acontecer é desocultar o que antes estava oculto, é a verdade se revelando no seu mais profundo e íntimo gesto de desvelamento.
Enfim, o homem e a poesia têm uma relação muito íntima. Só conseguimos perceber tal proximidade quando conseguimos nos desvencilhar do olhar da produção. Isto é, achar que um poema é produto da criação quando configurado como objeto poético. Um poema enquanto poesia é poiesis, logo, é o agir do homem se desvelando como humanidade e se velando como homem. Portanto, viemos do silêncio e, numa simultaneidade do gesto criativo, dialogamos com a poesia na medida em que somos uma doação da poiesis e, em última instância, do Ser.
26 de março de 2007
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2 comentários:
Fábio, parabéns; é um belo texto este que você escreveu. Ponderado, fluido, prazeroso de se ler. Gosto desta idéia de se abolir a preposição "sobre" entre o ser e a linguagem, de modo a repensar a instrumentalização que nos é colocada - como se a língua estivesse fora de nós, ou como um corpo estranho que nos habita. Senti ecos do Manuel de Castro na sua abordagem - você fez algum curso com ele? No mais, parabéns, e bola pra frente.
já vi a resposta da minha pergunta: o link para o site do manuel de castro. inté.
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