*Texto originalmente postado em minha
página Verbo In-Verso, na Obvious Magazine.
Quase final de outono,
final de maio, entrando junho daqui a pouco... e um poema me cortou o
horizonte. Ele, o poema, foi escrito para Dalila Teles Veras, e não para mim.
Não faço a menor ideia de quem seja Dalila Teles Veras. Mas ela, e não eu,
ganhou um poema. (Mentira, faço, um pouco. Mas uma vez ouvi que é charmoso
dizer que não se conhece aquilo que de alguma coisa se sabe).
O instante que me
agarrou os braços e me fez entrar em mim está impresso nesses versos: “a
leitura do poema pede / aquilo que as sombras meditam”. Mais uma vez, me
percebi poema ao enxergar na dúvida a certeza para tudo aquilo que não sei e
nem sei se quero saber... O que persiste, e sempre, é a dúvida.
A cauda do verso me deu
uma rasteira e caí estatelado de palavras. Todas esborrachadas num chão viçoso
a peripécias. Cada letra me supunha um céu impregnado de vertigens. A queda era
o sonho do verbo, e este cavalgava com força, a ponto de romper o véu que se
mantinha entre a boca e o cuspe.
Salivas ao chão, a
fertilidade era vingada e remanescia no ventre desconhecido da linguagem. Cada
qual dentre os homens ao falar dava um passo à frente de sua própria humanidade
e ali cada um de mim se resguardava. O silêncio era um troféu.
A voz que dizia o poema
me lançava para adiante, num voo desafronteirado. Ao cruzar os limites do léu,
projetava-se rente ao meu queixo um elo esvoaçante ao qual se ligavam várias
existências da minha fala. Eu era um verso dentre versos... um poema!
Presente na boca de
poetas, eu existi a cada instante. E morri também. A existência é um lapso que
parte para a própria desavença de ser isso que não tem nome. Nomear é lascivo.
Penetra com a força de um chamamento a plenitude que não tem vez e nem espaço.
O nome dá um lugar, encarcera na liberdade do porvir. O nome inaugura a voz que
clamará pela própria inefabilidade.
Um poema me existe. Um
canto se inaugura. A boca está cheia de dentes e esvaziada de pronomes. Querer
ser um nome que ainda não foi dito é o desejo de toda imagem. O trejeito de uma
frase está presente. Endurece o laço entre mim e todas as coisas que me (se)
atravessam. Dizer um nome nesse encalço é existir no que sobra do reflexo das
coisas num plexo espelhado. Nós somos o útero não nascido no itinerário para a
chuva.
Nós, poemas ditos.
Poemas escritos. Vociferados entre o acordar e o dormir. Inscritos na oralidade
que clama entulhos ósseos de memória. Moramos na sua alcunha, habitamos sua
voz. Enrijecemos com sua pele ao sentir a brisa do tempo no instante de sua
eternidade. O tempo tempora a todo tempo. Não há imortalidade que me diga para
onde morrer, quando a curva do porvir inventa traquinagens em corpos ínfimos de
nuvens. O céu coroa o chão no círculo encantado por sagrações de apelos.
Ajoelho. Sigo esquivando sombras e me dou completo no verbo que me diz: –
Consome!
Nós, poemas. Poemas de
carne, pele e sonhos. Cada palavra é uma vida que segue por descaminhos a serem
cumpridos. Uma procissão que se concebe num andor invisível e me faz – eu,
poema – outrar na boca que me cala.
P.s.: Os versos que me trouxeram para cá
são do poema “Canto LXXIII”, de Fabiano Calixto, presente no livro Sanguínea, de 2007.