Este
poema foi publicado originalmente no livro Arte:
o humano e o destino, de Manuel Antônio de Castro.
Amar o vento
Para Bianka Barbosa, que me ensina a amar o vento, que me mostra a poesia em seu berço
de amor.
Tentar
pegar o vento
é
agarrar o próprio abraço:
ter-se
em pele e pelos
o
amor que transborda,
o
corpo que incorpora
cada
passo em sua dança,
cada
palavra em sua voz,
cada
gesto em sua música.
Amar
o vento
é
estar em liberdade,
e
liberdade diz crescer:
amadurecer
com a silhueta do imprevisto,
dançar
com pés no chão,
remexendo
a terra com os dedos,
entranhando-se
no suor da árvore,
fazendo
ciranda com as palavras.
Uma
poética do vento
é
salto que recolhe a queda no pulo,
que
atravessa um corpo
não
quando o transpassa,
mas
quando se venta com ele.
Um
corpo que é margem em desalinho,
que
é inconsequência de horas marcadas,
de
tempo determinado.
Afinal,
como se determinar o tempo?
Como
pegar o salto no pulo?
Como
dizer a música que ecoa
no
silêncio de olhos entreabertos?
Como
amarrar o vento?
Ainda
que uma tentativa seja
subir
numa árvore e pegar sua bunda,
o
vento é faceiro, travesso,
corre
com a própria velocidade.
Quando
pensamos tê-lo alcançado,
ele
nos dá uma volta
e,
com um sorriso largo,
diz
que nos ama.
Amar
o vento é estar nesse aberto:
é
dar as mãos ao vazio,
deitar
de barriga pra cima e olhar o céu,
azul
ou com desenho de nuvens,
percebendo
o divino nesse emaranhado de nada.
Com
jeito de travessuras,
o
vento vem e nos rouba beijos.
Tentamos
dizer que os beijos são nossos,
mas
quando olhamos ao redor,
o
vento já ocupou todos os lugares,
já
se desfez em nova brisa –
nova
e antiga:
concreta:
permanente
em sua fluidez.
O
vento venta e ama,
cria
uma poética de fecundações:
o
riso é sua procura;
o
inefável, sua voz.
Abraçar
o vento é nos perdermos em mar aberto,
pois
não podemos deter seu caminho em nossas intenções.
Não
podemos restringir sua queda em nosso colo,
não
podemos dizer que vente para um lado ou outro,
não
podemos fazer nada que não seja abrir os braços num abraço
e
deixar que o vento nos vente com ele.
Amar
o vento é amar a si mesmo,
ouvindo
as diferenças que fundam nossos dias,
abrindo-nos
àquilo que poderemos ser
e
que já somos sendo:
amor.
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