30 de setembro de 2012

Passagem

Era um dia de passagem em que a rua atravessava meu caminho. Passos em linha reta figuravam um percurso de transiência, desenhavam o átimo de sua errância.

Não sei o que digo nem o que faço. Não sei o norte da minha andança, o ritmo da minha dança. Qualquer coisa acontecida se irradia em minha vida como fonte descrida ou gorjeio de flor entardecida.

Ser poeta... Morar na morte dos meus dias, na vida dos meus erros. Ser poeta... Um conflito sem porto seguro, um festejo de meio-dia, um rascunho constante no gesto do meu corpo.


14 de setembro de 2012

Amar o vento


Este poema foi publicado originalmente no livro Arte: o humano e o destino, de Manuel Antônio de Castro.

Amar o vento
Para Bianka Barbosa, que me ensina a amar o vento, que me mostra a poesia em seu berço de amor.

Tentar pegar o vento
é agarrar o próprio abraço:
ter-se em pele e pelos
o amor que transborda,
o corpo que incorpora
cada passo em sua dança,
cada palavra em sua voz,
cada gesto em sua música.

Amar o vento
é estar em liberdade,
e liberdade diz crescer:
amadurecer com a silhueta do imprevisto,
dançar com pés no chão,
remexendo a terra com os dedos,
entranhando-se no suor da árvore,
fazendo ciranda com as palavras.

Uma poética do vento
é salto que recolhe a queda no pulo,
que atravessa um corpo
não quando o transpassa,
mas quando se venta com ele.
Um corpo que é margem em desalinho,
que é inconsequência de horas marcadas,
de tempo determinado.

Afinal, como se determinar o tempo?
Como pegar o salto no pulo?
Como dizer a música que ecoa
no silêncio de olhos entreabertos?
Como amarrar o vento?

Ainda que uma tentativa seja
subir numa árvore e pegar sua bunda,
o vento é faceiro, travesso,
corre com a própria velocidade.
Quando pensamos tê-lo alcançado,
ele nos dá uma volta
e, com um sorriso largo,
diz que nos ama.

Amar o vento é estar nesse aberto:
é dar as mãos ao vazio,
deitar de barriga pra cima e olhar o céu,
azul ou com desenho de nuvens,
percebendo o divino nesse emaranhado de nada.

Com jeito de travessuras,
o vento vem e nos rouba beijos.
Tentamos dizer que os beijos são nossos,
mas quando olhamos ao redor,
o vento já ocupou todos os lugares,
já se desfez em nova brisa –
nova e antiga:
concreta:
permanente em sua fluidez.

O vento venta e ama,
cria uma poética de fecundações:
o riso é sua procura;
o inefável, sua voz.

Abraçar o vento é nos perdermos em mar aberto,
pois não podemos deter seu caminho em nossas intenções.
Não podemos restringir sua queda em nosso colo,
não podemos dizer que vente para um lado ou outro,
não podemos fazer nada que não seja abrir os braços num abraço
e deixar que o vento nos vente com ele.

Amar o vento é amar a si mesmo,
ouvindo as diferenças que fundam nossos dias,
abrindo-nos àquilo que poderemos ser
e que já somos sendo:
amor.