“A palavra não se detém em cabrestos
gramaticais, os quais tentam registrar com normas a insurgência de assonâncias
sintáticas e coerências. A palavra não tem coerência, o que tem coerência é o
que se diz sobre a palavra, mas o que se diz sobre a palavra se afunda no seu
próprio enunciado, pois quando um morfema aparece para reter o sentido
nevrálgico de uma sílaba, a palavra – menina travessa com pés descalços e
cabelos ornamentados com flores – se liberta do jugo semântico-sintático para fundar
um novo nome, um novo sentido, um novo chão para pisar e fazer traquinagens. A
palavra é travessa por natureza, rumina inconstâncias, tange com mel o labor
sinestésico de uma escrita, é fugaz, contraditória, avessa a fórmulas e
dicionários. A palavra é a liberdade se dando ao vento, fazendo-se onda no mar,
salto sem paraquedas no fundo do céu.”
PESSANHA, Fábio Santana. “A ciranda da
poesia: palavra: corpo: homem: poeta”. In: PESSANHA, Fábio Santana et al.
(orgs.). Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2011, p. 234.