Educar é morar, residir permanentemente no devir de um caminho de apropriação. Neste sentido, educar não é dizer como, mas apontar a partir de uma existência o metamorfosear entre externo e interno: consumação.
É necessário que se rompa a tradição baseada na retórica vicejante da quase-incorruptível relação sujeito-objeto. Nesta perspectiva, há aquele que ensina assim como aquele que é posto a aprender. Há um alguém que conduz para a predileção do domínio e, para a outra parte, sobra apenas a afirmação ou a conquista de algo que não lhe faz sentido por não ser seu originariamente.
Educar é encorpar, fazer nosso o que já é nosso. Assim, um autoapropriar-se na travessia que se apresenta misteriosamente. No entanto, misterioso aqui não se reduz à ficcionalização metafísica de um modelo formal, mas conduz ao transbordamento de corporeidade. Pois o mistério é o arcabouço do porvir e, por desdobramento, o berço da educação. Tomar corpo não é aparentar um sistema orgânico. Corpo é mais do que organismo, pois não se reduz a sistemas. Podemos dizer ser a unidade em que qualquer antagonismo é deposto de seu lugar de oposição para acolher a dissipação de polaridades. Desta maneira, o corpo é um todo que se plenifica em cada detalhe de suas partes.
A educação virou discurso volitivo, sujeição política, externalização do outro no transeunte da língua. Porém, como dizer ao outro o que não lhe pertence? Tentativas são feitas e o caminho vai seguindo... Como dizer da felicidade de alguém se não somos o outro? Faz-se uma representação do que é mais aprazível e aceitável, ficando o educar, nesta dimensão, como a metáfora do horário nobre popular.
O verbo educar deveria ter o significado de trazer a experiência da escuta para nosso próprio, isto é, para nosso modo de ser. Uma observação profunda que leva a uma auto-observação, autoescuta, auto-olhar, enfim, toda a possibilidade de experiência singularizada. É como o poeta que se apropria de si em cada verso, em cada obra que lança ao horizonte da leitura.
Neste movimento de incorporação, ler é ser a autoexperiência da humanização e educar, a consumação da convergência das diferenças no diálogo. Mas, para que isso aconteça, é fundamental uma disponibilização do homem à abertura de si mesmo, pois o que mais nos assusta é a possibilidade de nos descobrirmos para além daquilo que nos foi determinado como a aparência do que somos.
A tomada de contas do que somos mora na educação. E isso parece distante de se conceber se olharmos pela janela da nossa aparência, já que a educação virou uma afirmação daquilo que não nos pertence. Um encadeamento esquisito de conceitos e fórmulas...
Por mais que se tente enquadrar o homem nos bons modos da exatidão científica, haverá sempre uma brecha para o que é mais radical na vida: a morte. E esta não está no fim da linha como se supõe a linearidade moderna de percepção do real, mas vigora em todo instante como possibilitadora de todo viver. Morte não é apenas fim biológico, mas possibilidade de vitalizar, de fazer viger a circularidade poética de existir, pois, como diz Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres: “É uma naturalidade morrer, transformar-se, transmutar-se. [...] Morrer deve ser um gozo natural. Depois de morrer não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso”. Portanto, educar é morrer.
*Texto originalmente publicado na Revista Educação Pública.
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