31 de agosto de 2007

...nascimento morto ou morte nascida...

Qual é a beleza de estarmos vivos? Qual o sentido do reconhecimento da fragilidade fugaz da carne e do osso?

A primeira coisa que fazemos ao nascer é morrer. Por isso choramos, por isso o bebê explode em vida a morte que já vivencia em toda sua grandiosidade.
O homem fenece sem se dar conta... tolo... inútil de sua presteza, arregala a visão do escuro vazio em que submerge. Um vazio sem nada, não serve nem ao principiar de todo fim. Ao contrário da consciente ignorância, o nada é a proveniência de todas as coisas.

No curta-metragem A História da Eternidade (clique no link e assista ao curta!!!), temos de cara a ambigüidade: um nascimento já morto ou uma morte já nascida... tanto faz... vida e morte são um só na vigência do que somos enquanto unidade cosmogônica... somos parte do tudo que, claro, é o nada. Por isso, somos inegavelmente a contra-ditadura da oposição binária. A dicotomia se desfaz a cada momento do encontro particular com nosso interior... um salto cego na fulgência do inóspito em que habitamos. Somos a própria habitação do que queremos ser e não-ser. Somos a totalidade do não-sendo.

19 de agosto de 2007

Pequeno pensamento sobre arte

A arte cria seu lugar e se realiza em realidades que apontam para o horizonte de todo e qualquer questionamento. A poesia é o método (metá = entre; hodós = caminho) pelo qual o homem se vislumbra na liminaridade na qual se encontra desde sempre lançado, ou seja, o "caminho-do-entre" é a realidade do homem se realizando.

Poeticamente, o homem habita o seu estar-no-mundo. Portanto, a poesia não é um gênero, um estilo ou qualquer tipo de determinação metafísica de produção humana; não serve a uma finalidade. O poético é um dar-se completo do homem à pro-cura de sua humanização, de seu originário. A arte é o sagrado silêncio, o abismo do qual surge o paradoxo e este é o sentido mais radical de estar vivo. Humanamente, poetificamos o a-se-pensar de um lugar que está sempre por existir, mas nunca existirá numa limitação mensurada pela razão.

O silêncio tudo nos diz... a arte nos consagra poetas. E poeta é todo aquele que atravessa a limitação do subjetivismo e habita a ambigüidade da vida-entre-morte.

8 de agosto de 2007

Interpretação do poema “Vereis que o poema cresce independente”, de Jorge de Lima

VEREIS QUE O POEMA CRESCE INDEPENDENTE

Vereis que o poema cresce independente
E tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas,
Algas e peixes lívidos sem dentes,
Veleiros mortos, coisas imprecisas,

Coisas neutras de aspecto suficiente
A evocar afogados, Lúcias, Isas,
Celidônias... Parai sombras e gentes!
Que este poema é poema sem balizas.

Mas que venham de vós perplexidades
Entre as noites e os dias, entre as vagas
E as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...

Qualquer poema é talvez essas metades:
Essas indecisões das coisas vagas
Que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.


(Jorge de Lima. Livro de sonetos, 1949)


Interpretação:

Podemos observar que este poema se faz presente mediante dois movimentos que prescindem de limitação, posto que suas fronteiras se dissolvem, impossibilitando-nos de apontar categoricamente onde termina um para se iniciar outro. Entretanto, como horizonte desta interpretação, adotaremos um marco que delimitará nosso percurso sem, contudo, fazer-se absoluto.

Da primeira estrofe até a metade da segunda, o primeiro movimento nos é revelado como uma “conversa” com os leitores, na medida em que se diz: Vereis que o poema cresce (...). O segundo movimento se inicia quando vemos um verbo imperativo na metade da segunda estrofe: Parai sombras (...). A partir de então, estes dois movimentos se mesclarão numa atmosfera de imprecisão percebida tanto pela alteração do modo verbal quanto pelo ritmo semântico que os versos expressarão.

Percorrendo o primeiro movimento do poema, em seu verso inicial observamos dois verbos primordiais para o desenvolvimento da obra em questão: ver (Vereis – v.1) e crescer (cresce – v.1). O “ver” projeta no “crescer” a dimensão do porvir, indicando uma subordinação ao futuro. Tal articulação é possibilitada pela conjunção integrante que (v.1) onde, como o nome já diz, traz à união aquilo que, a princípio, não compartilha de uma unidade, mas que passa a integrar, neste sentido, um acontecimento à presentificação e ao mostrar-se.

O poema, como aquele que cresce imerso no tempo de experienciação, dimensionaliza-se em dois adjetivos que, no contexto do poema, mostram-se adverbializados: independente (v.1) e tirânico (v.2). Tendo em vista essa possibilidade dual, porém não dicotômica que se espraia por todo o poema, o mesmo se desenvolve ambiguamente ao congregar uma liberdade que se radicaliza no desprendimento de um agente, de um sujeito que o faça trilhar um percurso obediente. Assim, a independência e a tirania comunicam a imprecisão de uma certeza pela qual já se saberia um destino certo.

Considerando que crescer é se apropriar da verdade enquanto ação de desvelar o que se ocultara, o poema se move entre imprecisões. Esta idéia é o centro do mesmo, quando a imprecisão indica o posicionamento num entre-lugar, no cerne de um andamento que não deixa o poema se estagnar como objeto, como resultado de uma fórmula versificante; posto que a imprecisão é a negação de uma medida ao entendermos “precisar” como acertar, ajustar. Logo, esta obra poética é um soneto, sim, mas que consegue insuflar um dizer misterioso, marcado por coisas imprecisas (v.4) em sua peculiar e tradicional estrutura.

Ainda no primeiro movimento, é interessante notar a relação entre o substantivo coisas (v.4; v.5) e seus adjetivos imprecisas (v.4) e neutras (v.5). Tanto o nome quanto suas atribuições apontam para o incerto, para um caminhar tenso. Na fala corrente, “coisa” é tudo aquilo que não recebe especificação e, no poema, as especificações ligadas a tal substantivo indicam o mesmo norte de imprecisão, já que a neutralidade seria a imprecisão de uma posição, ou seja, é aquilo que habita o abismo entre uma negação e uma afirmação. É desse abismo que surge a força do evocar, uma vez que tal verbo significa chamar à presença. Desse modo, o que se presentificaria?

Possivelmente, tudo que permanece velado no passado enquanto memória: Ó irmãos, banhistas, brisas (v.2). Eis a mobilidade da vida enquanto ação e retração do experienciar. Tudo que é vivido habita a claridade para, quase no mesmo instante, ganhar as sombras do passado enquanto guardião do porvir.

Da oposição entre a neutralidade e a suficiência, a memória manifesta o presente ao trazer à tona os acontecimentos vigentes como realidade. Isto é, afogados (v.6), sombras e gentes (v.7) nos falam de um desocultamento promovido pela memória em que tal ação chega ao seu auge quando, já no segundo movimento do poema, temos o verso Que este poema é poema sem balizas. Se num momento anterior, a mudança do modo verbal para o imperativo já delineava uma mudança no percurso poético (Parai sombras e gentes! - v.7), a dita “conclusão” do verso 8 nos lança inegavelmente na vigência da ambigüidade, na medida em que não ter balizas é a assunção de uma queda abismal na ilimitabilidade do pensar.

A partir do nono verso (Mas que venham de vós perplexidades), qualquer tentativa de impedimento do fruir poético é desfeita. As “porteiras” da ambigüidade foram escancaradas e todo movimento se volta para o entre. O entre, então, dá-se como o originário da perplexidade, quando esta nos diz o espanto, o admirar-se poético. Um dado que nos permite concordar com o vigor do entre neste poema é que, além de figurar direta (Entre as noites e os dias – v.10) ou indiretamente (... essas metades – v.12) no mesmo, sua disponibilidade tanto reveladora quanto misteriosa se presentifica reticentemente: entre... (v.11). As reticências são o encobrimento de qualquer certeza que possa se infiltrar neste poema. Elas nos deixam livres ao pensamento, a um mergulho cego na razão quando esta se desconfigura na interpretação.

Na última estrofe, temos quase uma conclusão na medida em que metalingüisticamente o poema seria definido: Qualquer poema é talvez essas metades: (v.12). Contudo, esta possível definição perde sua força já desde o início do 12º verso com a palavra Qualquer. Esta retira a exclusividade do poema e universaliza sua unicidade, lançando-o na tensão de um entre-lugar (...metades – v.12). Este percurso conclama a ambigüidade poética e a projeta na dimensão do corpo: Que isso tudo lhe nutre sangue e ventre (v.14). Assim, (...) tudo (...) retoma a memória e congrega as incertezas de um caminhar racional. Dialoga com o ciclo vital de um ente que se individualiza na propriedade do seu sangue a partir do nascimento físico (...ventre – v.14).

Portanto, o verso final retoma o inicial numa circularidade evidente, posto que ventre se ressignificará poeticamente. Será tanto a origem do corpo que vive na densidade da realidade quanto a pro-cura do poema pelo originário na vigência do real.

3 de agosto de 2007

Comunicação na UERJ/FFP

Estarei apresentando meu texto O insólito na dimensão do poético: o movimento de um questionar no evento que ocorrerá entre os dias 7 e 9 de agosto na UERJ/FFP (em São Gonçalo). Tal evento é intitulado Reflexões sobre o insólito na narrativa ficcional: o insólito na narrativa rubiana.

Minha comunicação está agendada para o dia 07 (terça-feira), por volta das 14h. Estão todos convidados a participarem do evento e, quem sabe, irem me assistir!

Para saber a programação completa, é só visitar o seguinte endereço: http://insolito-ficcional.blogspot.com/

Quando sair a publicação, deixarei o link do texto completo aqui no blog. Por enquanto, deixo o resumo:

O INSÓLITO NA DIMENSÃO DO POÉTICO: O MOVIMENTO DE UM QUESTIONAR

Partindo do Insólito enquanto questão, o mesmo será pensado mediante três perspectivas: além da concepção de gênero literário; no viés da narrativa como doação do poético e, por último, retomando o gênero no contexto de um movimento questionador. Assim, não será feito um estudo meramente “sobre” o Insólito, posto que falar “sobre” é se colocar numa posição de afastamento, como expectador da reificação do literário.

Numa breve tentativa de re-pensar o Insólito enquanto gênero da literatura, caminharemos por algumas vias da teoria tradicional, a saber: a narrativa e o Fantástico, segundo estudos feitos por Tzvetan Todorov. Entretanto, em vez de reafirmar tais teorizações, encaminhar-nos-emos pelo poético como proveniência de um percurso questionador.

Por fim, só na dimensão do poético seremos capazes de realmente perceber a narrativa fantástica ou o Insólito propriamente dito não como meras adjetivações alocadas no que comumente se entende por gênero literário, mas como o modo que o homem se relaciona com o real.