De dentro do quase,
morando no que é ainda, há o poema. Nasce a palavra fazendo curva, tramando
contra os lugares-comuns do sentido. Nessa envergadura, a poética de Paulo
Leminski tem espaço. E depois de eu ser, várias vezes, tomado pelas vertigens
leminskianas, aqui vai um trecho dessa queda.
Esse MicroEnsaioPoético
ganhou vida originalmente no meu Instagram: www.instagram.com/fabiospessanha
a partir do poema abaixo:
incenso
fosse música
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
MicroEnsaioPoético: Leminski
Incenso
fosse música. Incêndio fosse quase. Branco fosse isso que na chama inflama, que
na cama abocanha o algo além de um alguém. Quer-se um querer. Há uma vontade
que atropela, que faz dos passos luzes poentes no destino dos pés. Querer quer
querendo-se. Faz circular o que na vontade é só sujeito. Encardido.
Isso
de ser exatamente é dissonância. Um nome dito tão distante quanto a pronúncia
que destrava bordas; tanto quanto a saliva, que molha os dentes, que vibra no
ato de fazer palavra se tornar voz. Isso de “querer ser exatamente” é um
entroncamento, uma corrupção temporal que traz o depois para o agora, que faz
do hoje o dia de todos os sempres… um além… um crescente agoral num querer que
é ser, num instante que é possibilidade: ainda.
Desvia
para o lado sonoro do espanto, quando ainda vai, ainda nos levará além, ainda
brindará o pulso engastado em ressalvas, ainda, quem sabe, será o centro entre
bemol e sustenido, entre a sustentação da lágrima e o apogeu do murro; entre o
peso dourado do esporro e o firme nó do loro.
Isto
que nos levará além é ainda, é querer, é se ter na distância entre o abutre e a
borboleta, entre o afago e a fama; a cama desfeita, a preguiça pós-domingo, o
elo entre a lama e o zelo. Palavra dita quando pronúncia desmedida.
Querer
ser no que se está. Viver o agoral. O desarranjo. O tempo. O ato. Isso que nos
derrama, que nos consagra firmamento no limiar do instante, eleva ao ventre do
inconstante o que se quer, que é levante. Isso nos levará além, isso nos levará
ao amém das preces oferecidas ante escombros, ante ruas encruzilhadas. O
destino é agora e nada mais. Não há depois, o antes já se foi. Nem houve.
Ainda
iremos além. Esse negócio de querer ser, exatamente, o que se é, no que se
está, só pode dar confins, caso, música fosse incenso. Mas. Incenso fosse
música.
Referência do poema:
LEMINSKI,
Paulo. Toda poesia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, p. 228.
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