Um poema para meu amigo, o poeta moçambicano Virgílio
de Lemos. Sua obra alimentou minha escrita, deu impulso às minhas letras. Com seus
poemas, amadureci meu olhar para o mundo, num momento em que me debrucei sobre
seus versos e, em diálogo, compus meu próprio horizonte. Obrigado, caro amigo!
Antes que se perguntem, esta não é uma postagem por
homenagem fúnebre. O Virgílio está vivo, vivíssimo em corpo, alma, música e
poesia. Se hoje tem a saúde fragilizada por conta da corrida cronológica que a
todos têm; embora hospitalizado, sua verve não tem fim, sua canção continua
forte no tempo do sem-igual.
A você, querido amigo, dou este poema e mando bons
fluidos para que volte à urgência do caos dos dias:
Entre mar e ilha: poesia
Para meu amigo Virgílio de Lemos
Uma
onda bate em meu mar,
nuas
mãos percorrem meu olhar
diante
do infinito anoitecer.
Para
ser a língua que me habita
dou-me
todo à sutileza e ferocidade da palavra,
sendo
voz e gesto na criação,
anúncio
em cor e pele de gestação.
Pela
música e outonais bacantes,
sou
todo lavra no labor dos versos:
anversos
cingidos pelo sal do meu oriente,
pelo
sol do meu poente.
Sou
ilha em mar alado,
universo
mítico na mística da canção;
uma
composição dual,
uma
dissonância que me retém,
deixando-me
fértil para o além do imprevisto.
Sou
poeta,
sou
poesia nascente,
sou
onda que bate em terra
na
escrita de paisagem latente.
Um
pintor de palavras,
cuja
tela é o rascunho de um punho,
cuja
obra é a errância dos silabais:
erotismos
minerais de corpo pungente.
Sou
ilha andante,
crepúsculo
jamais findo,
pois
do átimo de um meio-dia
me
refaço inteiro pelo canto
dos
outeiros da poesia.