MANUAL
DESCARTÁVEL DE COMO DIZER POEMAS NO ESCURO[1]
Fábio
Pessanha
I
andar sozinho como quando o dia se abre
para a noite e todo o resto é entardecer. andar sozinho, como se… como se dizer
algo fosse... como se dançar no obscuro… como se o poema cedesse ao inseguro… e
essa música que não sai da cabeça...
... o peso das coisas com hora marcada.
os prazos. a parte que se perde. o que fica de resto. o que empresto no verão
quando só quero inverno e o poema que não chega... aquilo que compõe o desejo
de ser leve. o que decompõe aquilo que falta para ser livre...
... a metonímia das formas...
... e saber que todas as coisas querem
casas. que todas as casas perguntam como abrir a porta para chegar ao quarto à
procura do poema.
II
encontrado entre o piso quebrado e o pé
empenado da mesa, um manual descartável para ser lido em voz alta sobre como
dizer um poema e não tropeçar no escuro:
1.
pegar a palavra de jeito na metáfora.
depois de olhar de cima do morro de onde ela desce amassada pelos braços entre
as curvas. as vielas. os becos;
2.
encontrar o poema às escondidas nos
muros escuros. inventar segredos com eles. desarrumar seus cabelos;
3.
ocupar os espaços proibidos. burlar a
promessa do corpo não violado para dizer o poema como se a palavra nunca
tivesse existido como se o poema nem sequer fosse nascido;
4.
engasgar com o ritmo do silêncio ao
romper a veia inchada das imagens durante o calor dos corpos. conspirar por
mais um segundo apocalíptico;
5.
esquecer tudo que se disse. deixar os
dogmas antigos. inventar outros novos. a fim de destruí-los;
6.
dizer o poema como quem fala com a boca
cheia tentando acertar o próprio olho no meio da frase;
7.
dizer um poema que não existe e habitar
a metafonia das cores;
8.
errar a imensa boca cheia de entulhos de
tudo que foi deglutido e atrasado no meio da garganta rumo ao estômago
perfurado pelos pregos engolidos ante a tentativa de dizer “eu não minto”;
9.
dizer o poema como a tragédia dos picos
inclinados para o sol em busca de luz para o corte repentino dos versos que
teimam pela inteireza das linhas;
10.
ocupar as encruzilhadas onde – alguns,quase
todos – poetas batem ponto.
.
.
.
P.S.:
não
é
possível
dizer
o
poema
sem
dizer
o
poema
é
preciso
esquecer
o
poema
para
dizer
o
poema