Acaba de sair pela
editora Tempo Brasileiro o livro Convite
ao pensar. Sob organização dos professores Manuel Antônio de Castro (UFRJ),
Igor Fagundes (UFRJ), Antônio Máximo Ferraz (UFPA) e Renata Tavares (UNESPAR),
nasceu esse mosaico palavral, fecundado por poesia, filosofia, silêncio e gesto, do qual tenho a grande felicidade de participar como um dos
ensaístas.
A ideia desse livro
surgiu da necessidade de dar aos alunos – em princípio, de graduação, ainda que
não esteja restrito ao âmbito acadêmico – a possibilidade de se infestar de
verbo e acontecências semânticas para além do já desgastado sentido comum das
palavras. Evidentemente, nada do que já se trabalha teoricamente nas
instituições de ensino se exclui, contudo, a grande novidade está na linkagem
entre o que se diz ou se pode dizer sobre ideias engessadas conceitualmente e o
que advém do mergulho ao fundo vocabular das palavras, numa investida
originária que procura o útero do verbo a partir da costura realizada pelos pequenos,
mas densos, ensaios presentes neste Convite.
Assim, este livro é engravidado pelo horizonte no qual se vê o avesso ambíguo,
mas não dicotômico, das já tão batidas determinações dicionarizadas. Audacioso,
infestado de circularidade, entradas, entrâncias e reentrâncias, a poesia da
palavra se consagra numa rede fundada em 121 possibilidades de quedas e
abismos.
Além da necessidade de
dar aos alunos perdições por escrito, o grande estímulo para tal exaustivo
trabalho partiu de Guimarães Rosa, quando, na famosa entrevista concedida a
Günter Lorenz, proferiu: “Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem
não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é
uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente” (ROSA in
LORENZ, 1973, p. 20). E mais adiante nessa mesma entrevista, temos um dizer
fulcral e que foi usado como epígrafe do livro: “Cada palavra é, segundo sua
essência, um poema.”
Acima mencionei 121
possibilidades abismais. Mas qual mistério por trás desse número, 121? Arrisco
um palpite: autonomia de voo na e com a linguagem durante a grafia encantada
pelo poético! Sim, 121, não 122 nem 456. São 121 palavras que foram
criteriosamente selecionadas para integrar este livro:
O leitor tem em mãos um livro
constituído por um conteúdo aparentemente estranho: 121 palavras, às quais
correspondem 121 pequenos ensaios de, no máximo, duas páginas. Não se trata de
um dicionário, pois não se reduz a um mero levantamento de significados. O que
é, então, ou melhor, o que pretende ser este livro? A tal pergunta responde seu
título: um Convite ao pensar. Desse
modo, não pretende introduzir nada, pois o pensar não depende de introdução.
Vivendo, já nos movemos no pensar. Por ele, no questionar, vigoramos.[1]
O trecho acima foi
retirado da apresentação do livro, na qual, mais à frente, encontramos:
Procurou-se em cada palavra
estabelecer uma dialética, na qual nada se exclui, muito embora se desconfie
dos significados dominantes e engessados. Dessa maneira, todas as palavras se
interligam e procuram estabelecer um círculo poético de abertura para se
compreender melhor o que somos e nos cerca histórica e conjunturalmente. A
ligação entre elas dependerá do interesse do leitor, o que será ajudado pelo
Índice Remissivo e pelas indicações bibliográficas. Estas têm a finalidade de permitir
o aprofundamento das questões.
Quanto à construção,
organização interna do livro, o mosaico se estende à diversidade do pensamento
encontrado nos 16 autores que escreveram os pequenos ensaios que integram essa
rede de 121 palavras:
propusemos o presente livro,
convidando diferentes autores para pensarem a poética de cada palavra,
contrapondo-a com seu uso banal, cotidiano, desgastado, e resgatando suas
possibilidades de inaugurarem sempre novas e poéticas realizações. Assim como
os autores se viram livres para dialogar conosco no pensar de cada palavra que
lhes coube, os leitores também estarão livres para questionar e que, no diálogo
com todas, entrevejam em si as possibilidades que já receberam para se
realizarem, de maneira que a vida de cada um se torne um autopoema.
Portanto, não foi
erigido apenas um livro teórico, e sim um rearranjo léxico que desempoeira a
estabilidade vocabulatória do nosso idioma. As palavras são saltos, fecundações
aurais, aórgicas e orgíacas entre realidades que desempenham limites e
florações semânticas. O convite está aberto a todos, que sejam bem-vindos!
Referências
CASTRO, Manuel Antônio de et al. (orgs.). Convite ao pensar. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2014.
LORENZ, Günter. “Guimarães Rosa”. Diálogo com a América Latina. São Paulo:
E.P.U., 1973.