POESIA:
ALUCINAÇÃO POÉTICA DA PALAVRA
A partir da epígrafe
“Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina” – verso que integra
a primeira parte do poema “Seis ou treze coisas que eu aprendi sozinho”, de
Manoel de Barros (2010, p. 257) –, partiremos para um percurso no qual
tentaremos escutar o sentido poético das palavras, tendo como principal
referência os poemas do poeta citado. Isso posto, enfocaremos na tensão entre a
palavra acostumada a seu arcabouço dicionarizado e a revisitada pela imersão
poética de se pensar em declive de escombros. Provocaremos o sentido “normal”
das palavras no intuito de incitar sua corporeidade poética, dialogando ainda com
a habitação verbal do humano. Assim, a poesia não será abordada como construção
artística, tampouco confundida com poema, e sim aproximada de seu vigor
originário: poíesis. Portanto, ao
trazermos a ideia íntima, originária, de sua manifestação a partir do que em
grego diz a movimentação do que surge e se eleva por si mesma – quando a phýsis é considerada a máxima poíesis, conforme podemos ler no ensaio
“A questão de técnica”, de Martin Heidegger (Cf. 2001, p.16) –, teremos como
divergir do patamar empoeirado das estéticas ruminantes de conceitos, a fim de
nos deixar cair numa procura pela palavra descabida de normalidade. E nessa
empreitada inevitavelmente passaremos pela tensão entre homem e poeta.
Considerando o exposto
acima, poesia, filosofia, literatura darão as mãos num caminho que se fará
dialogante com os estudos tradicionais, porém com ênfase primordial na
hermenêutica poética, observando a leitura que faremos de poemas de Manoel de
Barros e/ou outros poetas que se fizerem necessários no decurso de nossa
escrita.
Retomando a epígrafe
citada, cremos que a única maneira de se enfrentar um poema é estando
alucinado! E é este mesmo o verbo a ser
usado: enfrentar. No entanto, tratamos de um enfrentamento no sentido de disputa,
na qual a vigência da tensão provedora da realidade se dá. Mas não me refiro a
qualquer disputa, e sim, por exemplo, à que Heráclito de Éfeso traz em seu
fragmento 53, quando menciona a guerra, do grego polemós: “De todas as coisas, a guerra é pai, de todas as coisas é
senhor; a uns mostrou deuses, a outros, homens; de uns fez escravos, de outros,
livres” (1980, p. 83).
Estamos em disputa todo
o tempo, afinal somos o exercício tensional entre morte e vida durante a
arquitetura dos instantes em que vivemos. E poesia, conforme já nos referimos a
seu sentido mais íntimo, poíesis, diz
essa movimentação. É o que deflagra a singular morada do homem no interior de
si mesmo, melhor, no crepúsculo onde real, realidade e realização se intimizam
pela costura de suas fendas.
Insistimos em nossa
existência e, por isso, reiteramos a procissão límbica de nossos pés aos sermos
conduzidos sempre ao instante anterior de uma palavra ser despida por nossa
boca. E como diz Heráclito, lembrando do fragmento supramencionado, estamos
sempre em guerra, em disputa, num meio do caminho para todas as coisas,
inclusive para nós mesmos. Então, o que propomos neste momento? Que pensemos um
pouco nossa habitação poética, nossa condição errante de ser um infindo
rascunho de poema. Portanto, trataremos do sentido poético da palavra, quando
ela se nega a permanecer na castidade dos rótulos empoeirados para saltar no
abismo da humanidade, cujo salto se refere à disputa, à liminaridade de sermos
o acontecimento do “entre-ser”, talvez até em sermos um poema acontecendo,
sendo escrito na permanência paradoxal de nossos dias.
Referências
bibliográficas
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
HEIDEGGER, Martin. “A questão da
técnica”. In: Ensaios e conferências.
2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
HERÁCLITO. Fragmentos: Origem do pensamento. Tradução, introdução e notas de
Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.