29 de janeiro de 2014

O homem e sua condição de margem - o ensaio

Meus amigos, resolvi postar aqui no blog meu ensaio, originalmente publicado na revista dEsEnrEdoS. Estejam à vontade para comentar!

O HOMEM E SUA CONDIÇÃO DE MARGEM

Fábio Santana Pessanha
Mestre em Poética – UFRJ

“faço poesia não porque seja poeta mas para exercitar minha alma, é o exercício mais profundo do homem”

Clarice Lispector – Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

O homem está mais para margem que acervo bilíngue de vagabundos. No panorama dos seus pés moram as vias que o conduzem ao encontro marcado com seu próprio desenredo. A cada passo dado, é impresso no chão o risco de se criar esteiras de caminhos e presságios de infinito. Seu rastro é sua alcunha quando eleito magnífico miserável de imensos veios.
Um convite para uma fala poética foi feito, e aceito! A partir da envergadura do que se disse acima, aliado a futuros devaneios, devo então pensar o homem, e me pergunto como. Afinal de contas, por mais que se trace um rigoroso itinerário antropológico, qualquer precisão pensada ensaia de antemão sua condição obsoleta. Então, qual é a saída?
A poesia! Pensar o homem pela via do poético, ou melhor, de dentro de sua própria insignificação, compreende, creio, dar as mãos ao salto na iminência da queda. O poético nos leva a cair, sempre, ao fundo de nós mesmos. Por isso, daremos as mãos à poesia, àquilo que se perde no desvio de sua voz: os poemas; pois seja em verso – com ouvidos à tradição – ou no desalinho musical da prosa – que, na verdade, é tão poético quanto qualquer estruturação classicamente versificada –, os poemas são gracejos letrais da movimentação intrínseca da realidade, e nós somos sua realização. Assim, proposta essa ciranda de absurdamentos linguísticos, podemos ficar à vontade para a desenvoltura do labor que ora se cria e manifesta. Com isso, vamos à primeira queda:

Quando eu nasci
      o silêncio foi aumentado.
Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei – e fui salvo.
Às vezes caminhava como se fosse um bulbo.[1]

Se o empenho de toda obra de arte é a humanidade do homem, o compromisso da obra poética não se mostra indiferente a essa questão. Penso que um poema, ao ser lido, se realiza como um gesto de abrigo do nosso próprio abraço, um abraço que toma o infindo corpo carnal no interior dos braços e recolhe o metal dos ventos nos voamentos de palavra. Assim, de forma alguma falarei do sentido exato do poema citado e dos outros que forem aqui tratados. Portanto, que fique realmente claro, deixarei me conduzir por sua correnteza e carnadura.
Então, sem mais demora, e em atenção ao poema, somos testemunhas de que o silêncio foi aumentado com um nascimento. Sendo o homem seu próprio mundo: origem e morte, estabelece-se uma autofecundação poética. Como assim? Desesplico: para toda voz arada no campo da linguagem há uma potencial mudez na multiplicação de todas as bocas ao relento. O homem encena sua condição de margem sendo outro e ele mesmo no precipício de sua identidade. Com isso, eleva-se do escuro canto de seu estômago o vazio repleto de encantos, habitantes nos desamparos de seus lábios. Aumentar o silêncio designa a iluminura da epopeia existencial humana, quando o sentido da aparência do homem resvala pelo anúncio de sua imagem ao espelho. O espelho só me entrega à dúvida.
Nascer e aumentar o silêncio anuncia o quanto de completude compõe o homem. E completude aqui quer dizer: instante no qual anverso e reverso se comprazem na unicidade de seu parto. Se concluir algo fosse fácil, até ensaiaria dizer que a dicotomia não perderia feio para ambiguidade, pois no horizonte de nossas vistas mora o brilho e o escuro como deveniências de uma mesma costura.
Ainda que seja muitíssimo tentador ver nesse “aumento” o sentido de soma, na verdade, muito mais do que isso, pode-se enxergar aí o alumbramento da intensidade revelada na morada do silêncio: o nada. Passo a pensar, então, que o homem é um complexo formado entre o nada e o silêncio, e o que sobra recai na materialidade da pergunta que faz a si mesmo enquanto parte integrante da paisagem do real. O desenho dessa “conclusão” fica assim: estou naquilo que vejo porque vejo com o corpo, participando da nomeação desestrutural da realidade; esta que está na antecedência do que toco tanto quanto procede à sensação do choque, do embate . Não seria esse prolongamento existencial que Riobaldo suscitou quando, em Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, disse: “– ‘Minha Senhora Dona: um menino nasceu – o mundo tornou a começar!...’”?[2] Da mesma maneira que em Manoel de Barros o “silêncio foi aumentado”, em Rosa o “mundo tornou a começar”! Todos esses começamentos indiciam a insistência poética habitante no homem. Portanto, creio que o homem é seu próprio desconcerto.
Nessa estância de prolongamento do silêncio, do mundo, do existir, encontro ainda em Manoel de Barros, no Livro sobre nada, a seguinte passagem: “Os patos prolongam meu olhar... Quando passam levando a tarde para longe eu acompanho...”.[3] Acompanhar algo diz morar na realização desse mesmo algo, estar junto não apenas na companhia, e sim na composição de um espaço que se cria pela conjuntura de pele e olhar: ver! Então, ver é ser aquilo e com aquilo que nos chega pela visão, significando ser muito mais do que simples ocorrência visual de um de nossos sentidos físicos, pois aquilo que nos toca a pele, se acolhemos, metabolizamos, tornamos parte de nosso sangue, compomos corpo.
No transcurso dessas imagens, lembrei-me também de que no romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector, há um momento, dentre vários, em que Lóri se encontra totalmente desorientada por se ver radicalmente imersa na vida, percebendo que aceitava em pleno amor o amor de Ulisses. Impregnada desse acometimento, “parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa”,[4] e daí, sendo apossada pelo direito de ser toda sua dúvida, dor, imprecisão, sangue e carne em flores ou uivos em desfecho de horizontes, ofertou ao tempo uma frase primordial e que retoma a questão que, nesse momento, nos aproxima em leitura: “Como prolongar o nascimento pela vida inteira?”.[5]
Não podemos pensar que essa pergunta toca na mesma questão que vimos em Manoel de Barros, quando ele traz a lume o silêncio aumentado por um nascimento? Ou em Rosa, quando Riobaldo é enfático ao assinalar que o mundo torna a começar com o nascimento de uma criança? Com tais questões, podemos ainda indagar: como aumentar a pausa no grito que sustenta escombros de palavras? Como entrever na cara o tapa de um amor perdido? Como mergulhar na vida, não sendo apenas um personagem social que diariamente acorda, caga, toma café, estuda, trabalha, come uma puta, vai dormir e, no outro dia, repete tudo igual? Como, no prolongamento de nosso nascimento, conseguirmos nos outrar na imensidão que somos? Como aumentar o silêncio no singelo gesto de um princípio quando, na realidade, nascemos a cada instante?
Tais perguntas não servem para serem respondidas. Elas devem ocupar cada canto de nossos ouvidos, impregnando-se em nosso corpo para nos entregarmos à dúvida maior de nossos olhos: o reflexo visto no espelho. E ainda, nos braços de Clarice, chegamos num ponto crucial, quando fazemos nossa a fala de Lóri: “Eu existo, estou vendo, mas quem sou eu?”[6] E a poesia responde com a:

Elegia de Seo Antônio Ninguém

Sou um sujeito desacontecido rolando borra abaixo como bosta de cobra.
Fui relatado no capítulo da borra.
Em aba de chapéu velho só nasce flor taciturna.
Tudo é noite no meu canto.
(Tinha a voz encostada no escuro. Falava putamente.)
Estou sem eternidades.
Não tenho mais cupidez.
Ando cheio de lodo pelas juntas como os velhos navios naufragados.
Não sirvo mais pra pessoa.
Sou uma ruína concupiscente.
Crescem ortigas sobe meus ombros.
Nascem goteiras por todo canto.
Entram morcegos aranhas gafanhotos na minha alma.
Nos lepramentos dos rebocos dormem baratas torvas.
Falo sem alarmes.
Meu olhar tem odor de extinção.
Tenho abandonos por dentro e por fora.
Meu desnome é Antônio Ninguém.
Eu pareço com nada parecido.[7]

Só a poesia pode responder porque não afaga com dizeres simplórios a necessidade de audições pedintes de esquadros, de correção; a poesia instaura o verdadeiro lugar da resposta: o mergulho no ensimesmado de entulhos e personalidades nos quais quintais de pessoas ressoam o desígnio de suas perdições. Poesia, atrevo-me a cogitar, é ser ação agindo dentro e fora de oscilações e realidades. E nessa resposta repleta de braços, uma infinda enumeração é feita. Contagens de absurdos para fundamentações acerca do e com o nada. Um desnome não é a negação do nome, e sim o aprofundamento na nomeação, considerando aqui algumas falas gramaticais que designam o prefixo “des-” também como partícula intensiva, em vez de apenas funcionar como marca de negação, ou seja, causa fundo-de-poço nos nomes em que se junta: casamento de substantivo com ancestrais de verbo.
No poema acima, é possível observar as ruminações, derivações, da condição humana em ser margem e poesia. Cada verso é um lance para o destino do absurdo, sendo este – o absurdo – imagem emblemática de sustos e contradições. Tal questão, pelo encaminhamento torto de minhas falas, não tem a ver com a estética tradicional, pautada por normas ou parâmetros, cujo empenho está em aferir a veracidade daquilo que faz ou não parte da realidade. Ora, tudo faz parte da realidade, inclusive o que ainda não existe! A realidade do real conserva simultaneamente o inóspito e a habitação, uma vez que realidade significa o cerne (-idade), a concentração do real; portanto, na afluência de um nome é revelada uma aparência que, por sua vez, vela, é latência do impronunciável.
Ser um sujeito desacontecido, sem eternidades, que não serve pra pessoa está no âmbito da mais radical existência, pois congrega nos seus passos a calamidade vigente no furor de ser nada em permanência de vozes e outroras. Assim, com o mergulho na identidade de um ninguém, especificamente, do Antônio Ninguém, ao visitarmos um pouco mais da poética de Manoel de Barros com o poema “A disfunção”,[8] somos testemunhas de que os poetas têm “Mania de comparecer aos próprios desencontros” – seja linguístico ou presencial. No entanto, se falávamos especificamente do homem, e agora trago à nossa dança um verso que fala de poetas, pergunto: seriam, então, poetas todos os homens?
Exatamente! Pois essa é a condição de margem do homem!
Contudo, é preciso observar que ser poeta não é ser qualquer-um. Não basta enumerar cantigas em poste ou desanuviar a correlação entre triângulos e cossenos! Também não basta manter a cara amassada depois de acordar ao meio-dia e se dizer atônito com a relevância das auroras. O homem é poeta, creio, quando se concentra em próprio desassombro e reinstala a morte de seus dias a cada olhar lançado ao vazio – e posso dizer isso por não se tratar de uma afirmação científica de cabalidade irrevogável, uma vez que eu não sou nem científico e nem irrevogável. Ser poeta talvez seja a contradição da lua em contorno de verão ou estar de acordo com a obscenidade do vento em lamber os corpos que quiser, quando bem entender... Enfim, por mais divertido que seja a enumeração de absurdos semânticos, não é com um enunciado que encabrestaremos um poeta, pois este é a vigência da inconstância habitante na humanidade do homem. Assim, repito: o homem está mais para margem que acervo bilíngue de vagabundos, e a vagabundagem primordial, talvez, seja o aceno do real em se permitir língua e pintura nas paredes da linguagem, nos estames de ensolarados prados onde o homem se poetiza na medida de sua morte, na medida em que se abre para a escuta do seu silêncio.
Não percamos nosso norte: o homem está para margem, é uma entidade do poético em risco de incumbências lexicais; um aumentador de silêncio quando prolonga o cerne do real ao se desdobrar em nascimentos. O homem é poesia em escritura de pele, tinta, voz e calafrio, um “sujeito desacontecido” se procurando em “lugares nenhuns”. Um ser achante repleto de esquinas e deus-lhe-pagues que caminha sempre em pé de curva a nascentes de abismos. Então, o elencamento alardeado no poema “Elegia de Seo Antônio Ninguém” desfila uma série de desacontecências com as quais o ente de pés cravados no chão de cimento se estranha, pois, como aceitar todas as indecências semânticas propostas se quase sempre necessitamos fazer a barba para apresentações litúrgicas ou primamos por comportamentos equidistantes de comedimentos sociais?
A condição de margem do homem manifesta o sepulcro das nomeações condicionantes de regras. A morte mora em seu peito e a vida é seu desvelo, com isso, na ambiguidade de sua andança, experiencia poeticamente um lugar de habitação, uma vez que o lugar se dá na medida de sua ocupação. Lembrando o que diz Heidegger em seu importante ensaio “... poeticamente o homem habita...”, “Poesia é deixar-habitar, em sentido próprio”[9] e, sem resvalar num sentido onde o que se diz se torna um manual a ser empregado no exercício de nossos dias, mais à frente, no mesmo ensaio, temos que “[...] um habitar só pode ser em poesia porque, em sua essência, o habitar é poético. Um homem só pode ser cego porque, em sua essência, permanece um ser capaz de visão”.[10] Sem cismas ou dedos, tais dizeres nos encaminham a pensar que o homem é poesia e só se desdobra em poema porque essencialmente, naturalmente, é um ser poético. E isso significa: um ser de margem que constrói à medida que é construído pela violência do rio, de seu período de existência na paisagem do real.
Lembrando o poema com o qual iniciei essa queda, e com o qual convido quem se disponibilizar a cair, leio: “[...] eu era torto / [...] Passei anos procurando por lugares nenhuns”. A partir desses versos, sou levado a crer que a tortuosidade não é algo à parte, estranho ao desígnio do homem em se apropriar de sua condição de margem. E digo: só porque o homem é margem é que é capaz de se perceber rio e se perder em seu próprio curso. Sua andança encena o desenho de um eterno labirinto, duradouro durante a música que o atravessa e o fecunda porque também é silêncio. E, ainda no poema, o mesmo termina assim: “Até que não me achei – e fui salvo. / Às vezes caminhava como se fosse bulbo.” Diante disso, divido o que pensei: cada passo dado no meu caminho encurta a aproximação com aquilo que não sei tanto de mim quanto do meu destino. Meu horizonte não se põe diante de minha presença como imagem que guarda a alvorada e o ocaso do sol, meu horizonte sou eu e me limita no instante agoral do tempo, da imprecisão habitante no calor de minhas mãos e que queima a pele quando cismo em agonias de posse. Sou margem porque sou homem e sou homem porque a poesia mora em mim: sou um acervo bilíngue de vagabundos porque estou mais para margem!
E agora em atenção ao último verso, caminhar como se fosse bulbo diz se embrenhar na terra e habitar a escuridão silenciosa do existir. Considerando que existir é ser no aberto acolhedor de infinitos, então esse enterrar-se aponta o singular movimento de ser verso e procissão de um homem só. O conjunto da unidade se apresenta na orquestração audiúnica de uma procura feita no empenho de perdição. Procurar é se perder, pois alinhava no gesto de outrar-se a originariedade caminhante e desbravadora da visão. Ver é ser sempre pela primeira vez, destituindo o hábito que engessa a recepção daquilo que vemos e recebemos do real. Vemos aquilo que somos porque essencialmente somos o que vemos e, só por isso, somos capazes de ver, ou seja: sou a imagem que chega aos meus olhos e só percebo numa coisa aquilo que identifico como a morada do meu nome. Meu nome é nunca, e sou sempre verso a ser escrito; encontro-me quando não me procuro porque toda procura enseja perdição.
É preciso dizer algo acerca da vagabundagem e sua predileção por coisas tortas e restos de enunciados:

Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia.
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os
pés dos seus discípulos.
São Francisco monumentou as aves.
Vieira, os peixes.
Shakespeare, o Amor, A Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas
de orvalho.[11]

A nobreza do empobrecimento é alcunha de despertencimentos! Elabora no poético uma colheita de escombros e rascunhos. Tudo é feito com material compreendido de chorume, repleto do fedor de ser acontecência penumbral, risco de se perder o estame fulcral de compêndios, empreendendo em luxúrias verbais.
Se pensar o sentido de margem no homem quase sempre pode se resvalar para contextos sociais, socioeconômicos, de forma alguma trago esse cheiro em minha palavra. Ainda que seja possível tal diálogo, aqui não é lugar para obtenções estatísticas, cuja mortandade não passa de mero levantamento numérico. Creio que tal empenho apenas alimenta a possibilidade de o homem se perder em seu próprio canteiro, exumando a ossatura para sempre guarnecida no código genético de seu passado historiográfico. O homem é seu desconcerto e se conjuga andrajo de vestimentas palavrais! Está mais para margem que acervo bilíngue de vagabundos!
Pelo poema acima, somos iniciados na grandiosidade do ínfimo! Compomos o arsenal prolífico de imagens que encenam a necessidade de se olhar para dentro daquilo que não se sabe do próprio umbigo. Eu sou homem, poeta, portanto, sou meu convite à morte! Sou o restolho da colheita que suja o chão na imundície dos meus passos; sou o descompasso do meu caminho, minha morte e minha alegria em me sentir vivo, compondo pôr do sol.
A palavra que ora se entranha em meu corpo e se despede de minha boca faz de minha fala um infortúnio arcaico de semeaduras tântricas. Sou palavra em escuta poemática, quando preservo no útero do meu verbo a elocução que funda e fecunda meu olhar para aquilo que vejo e, portanto, que sou. Hei de monumentar os insetos com esta doença de grandeza! Assim diz o poema e assim manifesto amém! Tal como Cristo, São Francisco, Vieira, Shakespeare e Charles Chaplin, sou capaz de monumentar o mísero porque sou mais um verso escrito no poema que leio a cada dia de minha existência.
A vagabundagem me toma e me penetra! E que se entenda: não me refiro ao sentido comum, tão incrustado nos ouvidos alheios. Minha vagabundagem é a mesma que habita o conluio entre verso e luz, poesia e ação, digerindo e estando presente no acontecimento fecundo do nada: o mistério humano no qual o homem se percebe nascido para margem.
O poema diz: “Charles Chaplin monumentou os vagabundos” e, com isso, podemos pensar que a errância do homem o nomeia andor que carrega em seus braços o vigor poético em ser abismo e vertigem. O vagabundo se tornou monumento, mas não se trata de um vagabundo qualquer. Tal movimentação poético-semântica só é possível porque o poema, na verdade, explicitou a latência da indolência, da preambulação maldita presente nos andrajos sociais; e tal situação foi desvista e reinventada na composição poética da palavra.
A poesia nos deixa reinventar nossa condição de margem, e não é isso que realmente somos, pretexto poético para saltos mortais no abismo do humano? O homem está mais para margem que acervo bilíngue de vagabundos, e assim tenho dito para cada um nos durantes dos meus dias.

Referências

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
HEIDEGGER, Martin. “... poeticamente o homem habita...”. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2001.
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.




[1] Quinta parte do poema “Cadernos de apontamentos”, p. 275-6.
[2] ROSA: 2006, p. 468.
[3] BARROS: 2010, p. 336.
[4] LISPECTOR: 1998, p. 131.
[5] LISPECTOR: 1998, p. 131.
[6] LISPECTOR: 1998, p. 131.
[7] BARROS: 2010, p. 351.
[8] BARROS: 2010, p. 400.
[9] 2001, p. 167.
[10] 2001, p. 179.
[11] BARROS: 2010, p. 343.


12 de janeiro de 2014

Prémio Literário Glória de Sant'Anna

Dirigido às Editoras que editem Poesia, o Prémio Literário Glória de Sant’Anna é uma interessante oportunidade para editoras e poetas de língua portuguesa. O prêmio de € 3.000,00 será atribuído ao autor de melhor livro de poesia em língua portuguesa, editado desde janeiro de 2013 a 7 de março de 2014.
Maiores informações no edital disponível no seguinte link: http://gloriadesantanna.files.wordpress.com/2013/10/premioliterario-regulamento-2013-a-20141.pdf


Aproveitem para conhecer o blog da Glória de Sant’Anna, disponível em: http://gloriadesantanna.wordpress.com