Só para completar a informação do post anterior (claro, e ir além de mera propaganda!), saiu no dia 14 de março o livro Universo Paulistano - contos, crônicas e poemas de uma cidade que nunca dorme. Contudo, a intransigência de um tempo cronológico aproximado da conjuntura cósmica que me entorpece resultaram no atraso do comentário, assim como ao meu sumiço deste ambiente blóguico. Mas já que aqui finalmente estou, vamos à palavra. À palavra?
Sim, vamos ao lugar do desapropriado senso de matéria. Aonde o corpo é verbal e carnal na boca de quem pronuncia o zelo de pensar. A palavra é a poesia que gera não só poemas, mas possibilidades de errâncias. A palavra é o que nunca sei ao dizer, mas digo porque sou palavra (no salto mortal à escuridão do nunca sabido dia de amanhã).
Caindo de um cume cuja morada é o chão, a queda balbucia o gesto de criação e se refestela no sólido e impreciso destino de esborrachamento. Sim! Palavrar é esborrachar! Destroçar qualquer mísero pedaço de angústia na boquiaberta dentição da morte: morrer é viver, é palavrar.
Palavrar é transitar, estar em conluio com o cramulhano, com o barzabu, com o coisa-à-toa. Sim ele mesmo! Palavrar é estar em conluio com o diabo! O que não significa que firmei um pacto de alma, mas um pacto de vida. O diabo, ao contrário da palavra já estabelecida enquanto conceitualmente malvado, é o próprio trânsito, o próprio movimento de viver e dialogar. Não precisamos ir aos academicismos etimológicos, mas solto a deixa de que precisamos nos desacostumar da palavra argamassada num sentido comum e único. Deus? Claro, a brincadeira dos campos semânticos exige a presença do suposto contrário... que nada... juntos são um e o mesmo na circularidade de ser e não-ser: Tao.
A palavra aqui me trouxe e daqui me leva para outro agora. O tempo na dimensão de sua totalidade: a constância do agora, do aqui-mesmo... Mas antes, claro, não posso deixar de convidá-los ao agulhamento deste pensar (ou pesar papo-furado): ao poema, à palavra despaginada e reconfigurada na diversidade dos suportes: eis o dito-cujo presente no livro acima mencionado:
Lembranças que não tenho
São Paulo.
Só conheço no papel.
Páginas encardidas de vapores sólidos.
Suas ruas,
infames deturpações imaginadas.
Suas praças,
um passado que não é o meu.
São Paulo.
Uma cidade.
Capital.
De quê?
De quem?
De um sonâmbulo
que da janela entreaberta da inércia
só respira o tédio,
o transe
sem trânsito.
São Paulo:
Minhas recordações.
Te desconheço.
Suas curvas
não me entorpeceram.
Suas putas
nunca me comeram.
São Paulo.
Uma terra que não conheço,
uns jardins que para mim nunca existiram,
flores que nunca colhi.
Cidade.
Capital.
De quem?
De ninguém.